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sábado, 2 de julho de 2011

Sou professora: vem comigo nessa des-a-ventura?


Olá, muito prazer, eu sou professora. E convido você a vir comigo nessa aventura. Preciso tentar ser objetiva, já que uma das minhas mais fortes características é marcadamente a prolixidade. Desde que li o artigo de Gustavo Ioschpe, publicado na edição de 12 de abril de 2011 da Revista Veja, que venho tentando organizar a cabeça e o tempo para comentá-lo em algum espaço midiático. E ainda não o fiz por razões peculiares: tempo para organizar as idéias, buscar alguma referência sobre o autor e, por fim e não menos relevante, o fato de ser professora, portanto, eu nunca tenho tempo. São exatamente 04h20minh da manhã (Horário de Brasília) quando começo a escrever essas linhas, e sei que elas não levarão a mensagem conforme eu gostaria, elas não transmitirão o que senti ao ler o tal artigo.
A despeito da minha carga horária de 60 (sessenta) horas em pé e as demais dormindo em pé diante das leituras necessárias e do computador, na construção das tarefas extra-sala pelas quais sou paga, diga-se de passagem, segundo Gustavo Ioschpe, muito bem paga, busquei saber “quem era esse menino” que viaja a bordo dos aviões da Rede Globo pelo Brasil afora, elaborando suas teses tão bem fundamentadas em estatísticas, com demonstração de gráficos e análises bem mais sofisticadas do que a realidade da educação brasileira. Quando busquei essas informações entendi não precisar dela porque os meios de comunicação já haviam se encarregado de jogar luz sobre a figura do nobre menino. Preferi uma nota de André Kenji segundo o qual:
Não é muito difícil entender Gustavo Ioschpe. Ele tem uma formação acadêmica cara, com duas graduações por Wharton e mestrado por Yale. Se você não entende o que isso quer dizer, bem, isso é uma coisa que só consegue se seu papai ou mamãe tiver muito dinheiro(Provavelmente muito mais dinheiro que seu papai e mamãe jamais sonharam ter). Não sem querer denegri-lo por isso: é um gasto melhor que em roupa da Daslu ou na Oscar Freire. (http://www.andrekenji.com.br/weblog/?p=1831, acessado em 29/06/2011).
Olhei para minha estante e senti dor diante da frustração pelas leituras não feitas: “O homem duplicado” (José Saramago); “Quando Nietzsche chorou” (Irvin D. Yalom); “A Meta” (Eliyahu M. Goldratt e Jeff Cox); “Relativizando” (Roberto da Mata), e tantas outras leituras que vão ficando pelo caminho, apenas no desejo, porque estudar é preciso. E estudar compreende debruçar-se a literatura de Projetos para Educação Infantil, degustar Emília Ferreira, Luciana Ostetto; Ilma Passos, Maria Isabel da Cunha, Zilma de Oliveira e tantos outros renomados autores que tateiam na busca de uma definição para Educação Infantil.  Mas, insistindo na revista Veja, e acho que agora desisti de vez, jamais renovarei a tal assinatura, continuo lendo Gustavo Ioschpe, talvez muito mais em busca de compreender sua personalidade do que a razão das suas elucubrações.
O mocinho, com sua cara linda e bem tratada, pele alva, bem diferente dos traços da esmagadora maioria daqueles que se dedicam ao magistério no Brasil, fala com uma propriedade inquietante de algo que está entranhado nas minhas veias, e eu não consigo imaginá-lo como alguém que tenha algum dia pisado no terreno no qual transito a cada dia da minha vida, desde aquele em que, por uma opção consciente, por um desejo enorme de contribuir com a sociedade – sem a hipocrisia de destacar a minha sobrevivência e a satisfação das minhas necessidades básicas : o chão de fábrica da educação, marcadamente aquele da educação básica, ensino fundamental, educação infantil. Menos ainda, não consigo imaginar que ele tenha em seu histórico a passagem por alguma das instituições públicas brasileiras, é claro, antes de chegar ao ensino superior, onde, o espaço reservado com ensino de qualidade centra-se no ensino público e gratuito com os cursos nobres oferecidos à elite brasileira.  
E, em, relação à elite, algo há em que concordamos, conforme fragmento do artigo: “as elites não querem um povão instruído, pois aí começarão os questionamentos que destruirão as estruturas do poder exploratório dessas elites”. De onde vem esse mocinho não é mesmo possível inferir que ele compreenda os movimentos sociais e os mecanismos implícitos que os movem, é complicado descer ao submundo e tornar-se partícipe dele para vislumbrar a necessidade da luta aguerrida de uma categoria de trabalhadores que amedronta o poder público e o topo da pirâmide, razão pela qual nossas reivindicações são tratadas com menosprezo e balizadas por uma estatística comparativa com países que não guardam qualquer semelhança com a realidade brasileira.
Será que Gustavo Ioschpe teria assistido ao vídeo da professorinha Melissa Gurgel lá do Piauí, ou mesmo um daqueles vídeos gravados em forma de monólogo por um garoto chamado Felipe Neto?  Seria Gustavo Ioschpe capaz de ouvir um contraponto ao seu discurso ou escreveria para sempre no vazio sem a necessária coragem de tomar conhecimento do que pensam sobre suas ideologias? Conseguiria ele participar de uma reunião de sindicato e compilar dados para uma pesquisa de campo fazendo a devida suspensão do seu objeto de pesquisa, despindo-se de seus preconceitos?
Hoje estou incomodada, desconfortável com o título de Professora. Transformaram-nos em vilões dos fracassos de uma direita que hoje virou oposição e não consegue se manter como oposição, insistindo em governar “sobre e apesar” do governo instalado , de maneira que tudo se transforme num samba do crioulo doido.
O que faremos – diretores corruptos ou não, eficientes ou não – com os aluninhos que, no ciclo, com doze, treze anos, analfabetos continuam avançando? Como questiona a professora Melissa Gurgel: Seríamos nós os professores, com nosso salário de três algarismos, os responsáveis pelas políticas públicas que dão formato ao ensino no Brasil?   Será que o mocinho bonito, do alto do seu pedestal, já pensou no que se poderia/deveria fazer com crianças pequenas que chegam à Educação Infantil pública capazes de bater e cuspir na cara de professores, disparar um arsenal de palavrões que vão desde o chulo (beiram a linguagem marginal, aquela que dá o tom da identificação de drogados, traficantes, bêbados e marginais de toda espécie)?  E aí, professor (?????) o que as estatísticas dizem sobre isso? Provavelmente continuaremos, em nossos planejamentos, sendo convidados a assistir aos filmes pedagógicos que enfatizam o sucesso de professores bem sucedidos – ditos não mercenários - no Brooklin e outros continentes tão semelhantes á nossa realidade.
As políticas públicas determinam a garantia dos direitos da criança, deixam, porém, em branco, as páginas sobre os direitos dos professores, donde convém refletir sobre o significado de expressões semelhantes a “peitar sindicatos”. Somos conhecedores de todos os nossos deveres, mas pouco sabemos sobre nossos direitos; e a inconteste tentativa de silenciá-los não aprece em constituições, resoluções, decretos, leis ou portarias, ela é escandalosamente divulgada por meio de artigos como esses do brilhante menino Gustavo.
Sou professora, mesmo que hoje isso doa. São sessenta horas semanais de trabalho em pé, sem tempo algum para pesquisa, o rosto cuspido por uma criança de seis anos: “Minha mãe mandou!” Sim, quando o diálogo não vence o professor é cuspido e chutado, respira fundo e tenta outra vez um novo instrumento pedagógico, “um fazer significativo”, e recebe de volta: “p..., maconheira; desgraçada”.
Procuro ser ponderada, entender os papéis e amenizar os conflitos; respeito os sindicatos embora seja contra as greves no serviço público, marcadamente na área da educação. São as mães das crianças que autorizam o filho a enxovalhar a professora que pagam os impostos e mantêm funcionando os CMEIS, portanto têm o direito ao depósito para os seus pequenos, e a inversão da lógica dos papéis família versus escola está amparada nas políticas públicas. Cabe-nos, então, buscar e bancar nossa qualificação e aperfeiçoamento com nossos salários de três dígitos, sem lamúrias, e aceitarmos a pecha de responsáveis pelo fracasso nos índices educacionais do país.
Ser professora hoje é enfrentar o embate diário com as crianças de zero a seis anos que já trazem no sangue a dependência de cocaína e crack. Ser professor hoje é ouvir do papai que “ensinei mesmo, se ele apanhar na creche apanha de novo em casa, tem que se defender desses filhos da p...”. Ser professor hoje é não saber (não deu tempo de pesquisar) como agir quando a criança de cinco anos traz dentro da mochila uma enferrujada faca embrulhada em jornal, quando essa criança explica que vai matar “o polícia” que levou seu irmão.
O planejamento, feito a duras penas, nas madrugadas da vida, conta com a pesquisa solitária do professor, sim, esse professor que paga as anuidades de sites, revistas e jornais com parcela do seu salário – sim, aquele que tem desequilibrado o saldo da Balança Comercial - para ler Gustavo Ioschpe falando sobre Educação Brasileira. Esse mesmo professor precisa entender como trabalhar os conceitos relacionados às “lutas corporais” com crianças pequenas com o objetivo de redirecionar a energia e reduzir a agressividade infantil.
Precisamos pesquisar exaustivamente para transformar sem desrespeitar os “Saberes” da Secretaria Municipal de Educação, em algo que possa contribuir para a formação de cidadãos honestos, dignos, com direitos de uma vida decente. Estuda-se os “Saberes” o ano inteiro e sua redundância não diz muito, não vai muito além de nos fazer pensar que a ideologia que o permeia sustenta a clara política de classes, para a inculcação adequada à resignação daqueles que comporão o exército de reserva (Karl Marx) do amanhã; os controlados que servirão aos controladores. Implícita nas entrelinhas dos “Saberes” está a diferença de propostas, o distanciamento de políticas públicas para a educação infantil e séries iniciais na rede pública, em relação àquelas desenvolvidas na rede particular, sob a égide da “mão invisível” (Adam Smith) do mercado, donde sairão os donos do poder, os senhores dentre os quais figura o ilustre economista Gustavo Ioschpe.
As nossas crianças, aquelas da Rede Municipal de Educação, o que seria das elites sem elas? Portanto, nós professores - e é isso que incomoda aqueles que atacam sindicatos - sob a tutela dos “Saberes” devemos nos esforçar para formar atletas e “artistas de reciclagem” (Isso lembra muito os ideais gregos), que é o que podemos fazer dentro das propostas discutidas na orientação com coordenadores; apoios pedagógicos e dirigentes. Não podemos e não devemos nos insurgir contra os objetivos pedagógicos e nem contra nossos tão valorizados salários.


Nós, professores (as) devemos ser críticos, altamente críticos, atualizados e bem formados (pós-graduação, especializações lato e stricto sensu) e “dar conta” de acompanhar o processo sem resmungos, preferencialmente sem filiação a sindicatos e sem criticar o que está colocado como um arranjo social que visa manter o status quo, a abissal distância entre ricos e pobres. E isso, tenho certeza, Gustavo Ioschpe não ignora, o que fica evidente em seu artigo “Hora de peitar os Sindicatos” (edição de 12 de abril de 2011 da Revista Veja). 
Enfim, ser professor (a) é ser feliz, gostar do que faz, viver intensamente, mesmo que seu “Caderno de Repasse” seja utilizado pelo seu diretor como objeto de fiscalização do seu “fazer pedagógico” e transforme isso numa ridícula situação pessoal, mesmo entendendo que para melhorar os indicadores do país no quesito educação, deve-se medir “qual” educação e em que medida ela deve ser concedida a depender dos estratos sociais a reivindicá-la. 

Um comentário:

  1. Só podemos lamentar a IGNORANCIA, INDIFERENÇA, DESPREZO com que os MESTRES e crianças(futuro do Pais ???)são tratados em nosso BRASIL.Se tivéssemos PODER para fazê-los viver com esse salário de PROFESSOR, e seus filhos frequentarem as nossas escolas...Certamente algo MUDARIA.
    Lusdalma Alves Duarte. Goiânia- GO

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