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domingo, 20 de março de 2011

O RIVOTRIL DA FERNANDA E A VIGÍLIA DO PONDÉ

No sábado, 5 de fevereiro deste ano li na folha ilustrada – após alerta de um amigo - um artigo da Fernanda Torres. Li, inicialmente, sem sequer prestar atenção à autoria. Refiz todo um trajeto em torno das minhas neuras, dos momentos em que o medicamento foi uma imposição médica, doutros em que eu disse “não, eu não quero isso, eu não preciso disso”; e doutros momentos em que essa decisão insana de não me submeter à medicação trouxe alguns transtornos irreversíveis. O texto é interessante, leve, claro e fui sublinhando os trechos mais parecidos com a minha situação: algumas crises, frustrações, dores, noites de insônia, da minha paúra da alegria comprada em cápsulas e por aí fui..... Deti-me sobre dois aspectos interessantes do texto. O primeiro quando a autora diz: “Li com inveja e espanto a notícia de uma mulher que desconhece o medo. A síndrome de Urbach-Wiethe destruiu sua amígdala , uma estrutura em forma de amêndoa situada no fundo do cérebro, e desarmou seus alertas internos de proteção e perigo”. Muito interessante a informação. Mas, os mecanismos de defesa que nos possibilitam a sobrevivência ante o perigo exercem em meu organismo um efeito mais ou menos visceral, quase devastador. O medo se transforma em raiva, em ira, que faz com eu perca completamente a razão. Então, nesse caso, talvez fosse verdadeiramente “uma benção”. Noutro dia, no centro da desgraça em que se tornou o trânsito nos centros urbanos do país, sob forte chuva, um taxista infeliz, para aproveitar o sinal amarelo, passou voando e me cobriu de água, obstruindo minha visão, fazendo com eu batesse meu carro violentamente no carro da frente que bateu no outro da frente e a coisa se tornou um inferno. Eu me mantive presa dentro do carro por menos de uma hora e o único pensamento que me sufocava, o único sentimento que me consumia era o desejo de sair dali, ir ao encontro daquele taxista e, da forma mais dolorosa possível,destruí-lo, matá-lo várias vezes. Como eu não podia sair do meio da situação, eu desejei fortemente que ele morresse no próximo sinal, que ele se espatifasse no primeiro poste no caminho. Foi esse sentimento que me alimentou pelos próximos dias: o ódio. O resto não importava.
Mas, voltando ao texto da Fernanda Torres, detenho-me noutro momento em que ela fala do conselho de um amigo que insiste em viver há mais de 74 anos: ‘Finja! Crie um personagem e finja ser ele (...) quem enfrenta a realidade enlouquece, a única saída para a sanidade é uma dose de alienação. A arte é a única saída possível”. Adorei. O amigo é Domingos Oliveira, gostei mais ainda. Aí, fiz então uma viagem no tempo dos meus infernos-astrais. Percebi que dentro das minhas guerras insanas, eu acabei sempre saindo delas como uma “mentira”, “um eterno faz-de-conta”. E continuei chorando pelas estradas empoeiradas da minha existência medíocre, as lágrimas misturadas ao pó , sob a lógica dos cientistas e do artista Cazuza: “O tempo não para”. Pouco antes do final da leitura, agradável, diga-se de passagem, pensei comigo mesma: Tomara que a vida ao menos não me imponha o fardo de 74 anos, que isso acabe logo.
O Rivotril se tornou um paliativo para os momentos emergenciais, aqueles em que meu organismo insiste em expor-me a riscos mais complicados, no trabalho, no trânsito, na relação com o outro etc. Mas, nunca engoli a dependência. Quase sempre prefiro não dormir, prefiro revirar na cama até que o dia amanheça e, com os olhos secos, eu possa recomeçar o meu inferno. A história com a Fluoxetina é a mesmíssima: São instrumentos obrigatórios para aplacar a minha ira, para que eu consiga transitar como um ser humano civilizado dentre os outros mortais, sempre tão felizes, bem sucedidos e superiores. Não suporto festas, a alegria exagerada das pessoas me sufoca, os ambientes sociais, quando inevitáveis me corroem a alma. Muitas vezes, andando a esmo no meio de um desses eventos dos quais não se pode escapar, circulando com uma taça de champanhe na mão, me pego pensando no “Poema em linha reta” do personagem gigante Álvaro Campos.
A fluoxetina aplaca os meus ódios e me faz rir até as lágrimas, uma alegria patética. Os personagens variam da “mulher poderosa” que transa com o ator Steven F. Seagal; caminha suavemente às margens do Rio Sena e na Avenue des Champs-Élysée em Paris; é entrevistada por Jô Soares ou senta-se, leve, batendo um papo descontraído com Oswaldo Montenegro numa barraca qualquer , tomando água de coco em Ipanema. Sim, a imaginação não favorece apenas Domingos Oliveira. A mim também. Mas, a realidade se sobrepõe e a mulher que prevalece tem o desejo sexual sufocado pelos antidepressivos e um parceiro tolerante; conhece apenas a Paris de Marcel Proust nos cenários de “Em busca do tempo perdido”; sequer conseguiu descobrir como twittar com Jô Soares na Internet e come entre lágrimas todos as músicas que foram gravadas pelo Oswaldo, levando de quebra Madalena Sales.
Agora, convenhamos, Fernando de Noronha deve, de fato, ser um poderoso antidepressivo e que se salvem os “doentes dos nervos”, deprimidos que sequer têm acesso á Folha Ilustrada, que muitas vezes sequer sabem o que é depressão e engolem o rivotril, a fluoxetina e tantos outros psicotrópicos nas fórmulas manipuladas, sem ao menos saber a composição da droga. A ignorância quase sempre é, antes da arte, o melhor remédio. Que de medicamentos, arte e Fernando de Noronha entendem mesmo aqueles que ficam resguardados na pontinha da velha pirâmide, que acabou virando gráfico, mas continuou delimitando, definindo bem os espaços de cada um nas suas devidas classes sociais.
Pensei em comentar o artigo, mas acabei guardando-o numa gaveta até que na edição de 14 de março, de novo na ilustrada leio Luiz Felipe Pondé: Vigília. Graças a Deus!!!! Você tem baixa autoestima? As razões são óbvias: falta de grana, de afeto e de saúde. “Baixa autoestima é a regra do mundo. Todo adulto sabe disso. Mas ficou na moda dizer que todo mundo é maravilhoso”. O autor fecha brilhantemente afirmando que: “Os melhores dias da minha vida são aqueles em que eu não lembro que existo”.
Enfim, que prevaleça a miséria; a miséria dos deprimidos elitizados, dos miseráveis intoxicados de todas as formas medicamentosas, de drogas lícitas e ilícitas, das vítimas morais conscientes ou inconscientes da baixa autoestima, dos amantes de Santo Agostinho ou dos leitores de Augusto Cury.
Mas, quanto custaria mesmo um pacote de turismo para a ilha de Fernando de Noronha com direito a hotel cinco estrelas?
Luciana de Castro Magalhães
Bacharel em Ciências Contábeis, pedagoga, especialista em Auditoria e Análise Contábil, mestre em Educação, professora universitária e da Educação Infantil (SME).
Goiânia(GO), 19 de março de 2011.

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