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domingo, 17 de junho de 2012

Existem pessoas iguais a mim.

Existem pessoas iguais a mim, é lamentável (?), mas existem pessoas iguais a mim.  Pessoas que quando me ouvem reagem aos absurdos com mais absurdos cuspindo raiva e impropérios, vociferando aos quatro ventos,  fazendo com que eu me sinta um pouco normal, definindo parâmetros. Quando muita cansada recuo, se me resta ainda um tiquinho só de energia volto à tona com ira renovada.  Pouquíssimas vezes refleti sobre isso, hoje mais detidamente. Talvez porque apenas hoje esteja vivendo o que chamam carinhosamente de "climatério". A sociedade moderna usa mais eufemismos do que devia, em ocasiões desnecessárias abusa de gentilezas camufladas de sabotagens à alma alheia. Na verdade envelheci, esse é o termo adequado.
Estou rabugenta, intolerante e mais insuportável, uma vez que nunca tenha sido um exemplo de docilidade. Envelheci e envelhecer dói. Vai explicar isto para o cirurgião dentista que está cuidando da parte cirúrgica dos implantes de  uns poucos dentes em minha boca "já prá depois do meio-dia"; o cara fica bravo, atravessado e falta pouco sugerir que eu arranque as próteses e lhe devolva. Provavelmente espera que eu caia de joelhos e me desculpe, mas minha ira está ali, latente, enjaulada, civilizadamente enjaulada,  organizando a resposta catedrática e eu saio soberana, altiva: gentileza gera gentileza. Na verdade saí do consultório cuspindo fogo, mas em cima do salto.
Que vontade de voltar e segurar seu colarinho, olhar para sua cara carrancuda e dizer: se você não gosta de plantar dentes em bocas envelhecidas, que vá operar a Bolsa de Valores em Nova York, vá ser piloto de Fórmula 1, isso não é problema meu. Mas... Que nada! Sejamos civilizados e contenhamo-nos. Um pouquinho de Durkheim e sua solidariedade social.  Deixa o cara remoer sua ira e eu que remoa a minha.
O indivíduo é raivoso, não gosta do que faz, ou, talvez goste só um pouquinho, ou,  talvez goste só de um pedacinho de tudo o que faz, ou, talvez eu tenha entendido tudo errado, o que é mais provável, sei lá; o que conta é que aquele dentista hoje me fez perceber que, felizmente, existem pessoas assim, iguais a mim: enraivecidas, bravas, iradas, nem sempre disponíveis à necessária hipocrisia para a vida em sociedade. Existem pessoas iguais a mim: humor ácido, dose inadequada de dopamina no organismo, mas humanos, buscando seu lugar ao sol.
Sorte a minha que pessoas como a K., com quem trabalho todos os dias,  estão por todo o lado;  puro sol e luz, riso e leveza. Ouvindo-me dizer que aos cinquenta anos não se é bonito ou feio, apenas se é velho;  K. contesta:  "Que nada, toda idade tem uma beleza própria". E o engraçado é que ela diz isso e vai embora, não lhe custa nada, não tem um preço, não olha para trás, não está argumentando e nem travando uma batalha, apenas pensa assim.
Suas frases são naturais, nenhuma construção arquitetônica prévia para impressionar ninguém. Quando estamos ali, no chão de fábrica - minhas costas ardendo -  ela transita com serenidade, fala pouco e quando o faz é sem exageros. Sua sabedoria de menina e a tranquilidade pouco comum na juventude me fazem repensar o meu amargor, que tem o peso da minha estatura física, quase um elefante arrastando "pes de chumbo" . Mas a presença da K. me dá conforto, não tenho vontade de me esconder dela.
Sorte a minha que existem pessoas como minha sogra, que aos "setenta e tantos", brava, toda enfezada, ainda reza e tem tolerância suficiente para me amar e cuidar de mim, para não me deixar sem mãe, para não deixar meu filho sem avó. Hoje eu acordei assim, muito nostálgica, muito down. Saudades do Ademir, do Negrinho, do Dir, lembranças tristes,  aposentadoria, corticoide, 80kg na balança. Algo mais? Ah, fui ao cirurgião dentista. 

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