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domingo, 24 de junho de 2012

O Intangível da Miriam Leitão e a Memória de Manuel Bandeira


Esse espaço - o blog - me dá prerrogativas que eu não teria não fosse o avanço tecnológico, tantas as mudanças pelas quais o mundo passou desde o advento da máquina a vapor. Hoje acordei pensando no quanto a elite gostaria de riscar da história,  algumas etapas desse avanço tecnológico. É que, inevitavelmente, a tecnologia expõe o que eles têm de pior: o egoísmo. São obrigados a admitir que comem o que existe de melhor, enquanto 90% da humanidade passa fome, são obrigados a admitir que destroem a natureza - entenda-se aqui o Planeta inteiro - para satisfazerem seus caprichos, enquanto esses 90% de miseráveis, de sub-humanos estão tendo aulas de reciclagem, estão tendo a oportunidade de se educarem para um mundo melhor, para o crescimento sustentável, para exercerem a cidadania verde, serem ecologicamente responsáveis, ou seja, comerem o resto dos 10% ricos, viverem do lixo dos que exploram o capital e sem fartam da destruição do planeta. Isso é Rio+20, isto é Educação Ambiental, é parar agora nas Escolas Brasileiras e mundiais de Economia e ensinar os pobres a fazer as contas com o que se gastou com o mais badalado evento dos últimos tempos, em prol de um mundo melhor para nossos filhos e netos. Sejamos otimistas, como disse Miriam Leitão na Coluna do Jornal O Popular deste domingo.

Sejamos justos, concordo com ela, pois, desarmada, venho aprendendo muito com sua literatura nos últimos tempos, vários cientistas já haviam cimentado esse caminhado ao longo desses últimos vinte anos. Na verdade, talvez tivessem podido economizar um bocado de milhões de dólares jogados no ralo na Rio+20. Mas, sobre o texto dela, a crítica que quero fazer, a despeito das suas viagens pelo Mato Grosso, pelo Amazonas e outros Estados, é que, embora ela tenha constatado uma série de boas práticas e outras tantas agressões ao meio ambiente, hoje ela deixou de lado algo fatalmente muito relevante quando se trata do foco da Rio+20: o fator humano.

E é apenas por isto que, no mesmo Jornal O Popular, acabei traçando um paralelo quando li Memória de Manuel Bandeira, um texto do psicanalista Roberto Mello que aborda com tamanha sabedoria os exageros, as apologias e a falácia em torno da salvação do planeta e da natureza enquanto esquecem os humanos famintos caídos à beira dos abismos, das valas e dos esgotos das cidades grandes, onde os mesmos jornalistas, cientistas e celebridades se atropelam, se afastam ou se acercam de batalhões de homens armados para não caírem sobre os "sujos-pedintes-prostitutas-drogados-bêbados-famintos-violentos-morimbundos" ou não se tornarem suas presas. A beleza e a arte construída e emoldurada em torno da Rio+20 ignora a realidade de que é construída o mundo real, ignora as ruas por onde circulam os carros blindados que guardam as celebridades que cuidam das grandes conferências. E é por isso que eu gostaria de convidar Miriam Leitão e tantos outros a uma releitura do poema de Manuel Bandeira que, coincidentemente, sempre trabalhei com meus alunos, sempre utilizei em dinâmicas de grupo, sempre reli em momentos de necessária reflexão sobre "pensar no/com o outro. Trata-se do poema O Bicho, que conforme muito bem colocou o psicanalista Roberto de Mello, Manuel Bandeira "publicou em 1947 contra esse papo furado de reciclagem -sustentabilidade-economia verde:



O Bicho

"Vi ontem um bicho

Na imundície do pátio

Catando comida entre os detritos.

Quando encontrava alguma coisa,

Não examinava nem cheirava:

Engolia com voracidade.

O bicho não era um cão,

Não era um gato,

Não era um rato.

O bicho, meu Deus, era um homem."



O que hoje estou sentindo é que, de fato, tudo parece intangível. As crianças que compareceram à Rio+20, de longe representam as crianças que precisam de atenção, de oportunidades iguais de educação, alimentação e esporte. Muito exibicionismo, muito desfile de moda, muita celebridade, muito jogo de poder e, com certeza, a próxima semana volta com o sabor amargo da CPMI do Carlinhos Cachoeira agora mais adocicado, porque propositadamente mais atenuado pelo espetáculo da Rio+20 que deixa a miséria e a pobreza num compasso de mais 20 anos de espera para assistir a mais um espetáculo.

Profa. Ma. Luciana de Castro Magalhães.

www.vermelhoecinzamulticultura.blogspot.com.br

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