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quarta-feira, 7 de setembro de 2011

O meu xis da questão


  
O problema, ou o xis da questão, talvez seja exatamente o que penso de mim mesma, com consciência, lucidez e humildade. Não sinto necessidade de ter fé em mim, represento perigo latente e minha solidão é perigosamente triste.
Aprendi a conviver com as perdas intermitentes e convivo amistosamente com o desejo constante da morte. Meu ódio atinge apenas a mim mesma.
Hoje sou uma ferida velha de casca grossa e a solidão é necessária para não expor-me aos outros. Não me imponham a felicidade hipócrita, que eu não quero; eu gosto de ser assim, gosto de estar como sou. Incomoda-me o excesso de alegria e riso, e não é o sucesso dos outros não; não é isso, o que incomoda é o barulho, a emergência ruidosa do alarido do sucesso dos outros. A mim não interessa. De repente até gosto dessa amargura, desse recolhimento, dessa urgência do fim. É só deixarem-me aqui. 

domingo, 3 de julho de 2011

O MEU EU NOS OLHOS DO OUTRO


Eu odeio os viciados em vida.
Vivem hoje como se fosse o último dia.
Odeio os viciados em sexo
por não conseguirem controle sobre os instintos.
Odeio os animais abstêmios
porque são ocos, sem desejos.
Desprezo os dependentes e drogados
porque se abstêm da vida,
negam a própria dor e roubaram de mim
o melhor que eu tinha.
Repugnam-me os compulsivos
porque consomem, deglutem como
loucos glutões   a vida que desprezam.
Odeio os animais ressequidos
porque não se levantam, letárgicos.
Resmungam a dor que já não sentem.
Sem pulsões, são vazios, desprovidos de energia.
Desprezo-os pelos desejos contidos,
pela selvageria reprimida e pelo tempo
que criou a civilização.
Por ela o homem se entorpeceu  de ópio, calou-se.
Criou a bomba, se entupiu de química e matou a paz.
Odeio os viciados porque são fracos
desprezo os fracos porque não se levantam,
porque o horizonte não lhes diz nada.
Odeio os viciados e fracos por enxergar com
dor, no fundo dos seus olhos, meus fracassos refletidos. 

FIM DE TARDE


É sombrio e triste esse fim de tarde de inverno.
Escureceu.
A atmosfera é de morte
Tem cheiro de morte
Tem jeito de morte
Espectro de morte
Sensação de morte
Pavor de morte.
Mas é uma morte que não morre:
perpetua-se no inferno.
Apenas um fim de tarde de inverno.
Tudo cinza, frio e feio,
Horas longas e lânguidas.
Tempo infinitamente fúnebre.

ALGUNS ABSURDOS


Você já teve um professor de violão que fosse ladrão?
E pior: que dessa aula em sala da Sociedade São Vicente de Paula?
Já foi chamada de bruxa chata por aluno insolente?
Você já caiu dentro do coletivo depois de duas piruetas e viu suas coisas rolarem até o fundo do ônibus?
Você já entrou numa reunião sem ser convidada justamente num momento em que falavam mal de ti?
Já fez de conta que trabalhava diante de um chefe apenas para não admitir que esquecera os óculos?
Já bateu o carro tentando alcançar um  desgraçado que lhe deu uma cortada pela direita?
Você já furou o dedo com a ponta do lápis de cor quando finalizava o presente para uma pessoa que não está nem aí para você?
Você já rasgou notas de cem pagando pacote de viagem para lugar nenhum?
E pagando  parcelas de faculdade para um filho que não quer estudar, apenas para ter a sensação do dever cumprido ?
Já insistiu em ser romântica num cenário de guerra e dor?
Você já acordou, olhou para a parede cinza e tomou remédio para dormir de novo e esquecer que estava vivo?
Já tentou definir uma prioridade? Implantar o dente, fazer uma plástica, trocar o carro, reformar a casa ou ir a Paris?
Já comeu de uma só vez, seis balas de caramelo, escondida, mesmo sabendo que não havia ninguém em casa?
Seu celular já teve a bateria carregada e descarregada inúmeras vezes sem nunca ter tocado?
Você já se perguntou por que tem aparelho celular?
Você já se sentiu culpado e incomodado por não fazer nada mesmo quando doente e cansado?
Você já se pegou pensando que o tempo para fazer tudo que queria acabou?
E que isso não importa porque você não quer mesmo fazer nada?
Você se sente só?

sábado, 2 de julho de 2011

Sou professora: vem comigo nessa des-a-ventura?


Olá, muito prazer, eu sou professora. E convido você a vir comigo nessa aventura. Preciso tentar ser objetiva, já que uma das minhas mais fortes características é marcadamente a prolixidade. Desde que li o artigo de Gustavo Ioschpe, publicado na edição de 12 de abril de 2011 da Revista Veja, que venho tentando organizar a cabeça e o tempo para comentá-lo em algum espaço midiático. E ainda não o fiz por razões peculiares: tempo para organizar as idéias, buscar alguma referência sobre o autor e, por fim e não menos relevante, o fato de ser professora, portanto, eu nunca tenho tempo. São exatamente 04h20minh da manhã (Horário de Brasília) quando começo a escrever essas linhas, e sei que elas não levarão a mensagem conforme eu gostaria, elas não transmitirão o que senti ao ler o tal artigo.
A despeito da minha carga horária de 60 (sessenta) horas em pé e as demais dormindo em pé diante das leituras necessárias e do computador, na construção das tarefas extra-sala pelas quais sou paga, diga-se de passagem, segundo Gustavo Ioschpe, muito bem paga, busquei saber “quem era esse menino” que viaja a bordo dos aviões da Rede Globo pelo Brasil afora, elaborando suas teses tão bem fundamentadas em estatísticas, com demonstração de gráficos e análises bem mais sofisticadas do que a realidade da educação brasileira. Quando busquei essas informações entendi não precisar dela porque os meios de comunicação já haviam se encarregado de jogar luz sobre a figura do nobre menino. Preferi uma nota de André Kenji segundo o qual:
Não é muito difícil entender Gustavo Ioschpe. Ele tem uma formação acadêmica cara, com duas graduações por Wharton e mestrado por Yale. Se você não entende o que isso quer dizer, bem, isso é uma coisa que só consegue se seu papai ou mamãe tiver muito dinheiro(Provavelmente muito mais dinheiro que seu papai e mamãe jamais sonharam ter). Não sem querer denegri-lo por isso: é um gasto melhor que em roupa da Daslu ou na Oscar Freire. (http://www.andrekenji.com.br/weblog/?p=1831, acessado em 29/06/2011).
Olhei para minha estante e senti dor diante da frustração pelas leituras não feitas: “O homem duplicado” (José Saramago); “Quando Nietzsche chorou” (Irvin D. Yalom); “A Meta” (Eliyahu M. Goldratt e Jeff Cox); “Relativizando” (Roberto da Mata), e tantas outras leituras que vão ficando pelo caminho, apenas no desejo, porque estudar é preciso. E estudar compreende debruçar-se a literatura de Projetos para Educação Infantil, degustar Emília Ferreira, Luciana Ostetto; Ilma Passos, Maria Isabel da Cunha, Zilma de Oliveira e tantos outros renomados autores que tateiam na busca de uma definição para Educação Infantil.  Mas, insistindo na revista Veja, e acho que agora desisti de vez, jamais renovarei a tal assinatura, continuo lendo Gustavo Ioschpe, talvez muito mais em busca de compreender sua personalidade do que a razão das suas elucubrações.
O mocinho, com sua cara linda e bem tratada, pele alva, bem diferente dos traços da esmagadora maioria daqueles que se dedicam ao magistério no Brasil, fala com uma propriedade inquietante de algo que está entranhado nas minhas veias, e eu não consigo imaginá-lo como alguém que tenha algum dia pisado no terreno no qual transito a cada dia da minha vida, desde aquele em que, por uma opção consciente, por um desejo enorme de contribuir com a sociedade – sem a hipocrisia de destacar a minha sobrevivência e a satisfação das minhas necessidades básicas : o chão de fábrica da educação, marcadamente aquele da educação básica, ensino fundamental, educação infantil. Menos ainda, não consigo imaginar que ele tenha em seu histórico a passagem por alguma das instituições públicas brasileiras, é claro, antes de chegar ao ensino superior, onde, o espaço reservado com ensino de qualidade centra-se no ensino público e gratuito com os cursos nobres oferecidos à elite brasileira.  
E, em, relação à elite, algo há em que concordamos, conforme fragmento do artigo: “as elites não querem um povão instruído, pois aí começarão os questionamentos que destruirão as estruturas do poder exploratório dessas elites”. De onde vem esse mocinho não é mesmo possível inferir que ele compreenda os movimentos sociais e os mecanismos implícitos que os movem, é complicado descer ao submundo e tornar-se partícipe dele para vislumbrar a necessidade da luta aguerrida de uma categoria de trabalhadores que amedronta o poder público e o topo da pirâmide, razão pela qual nossas reivindicações são tratadas com menosprezo e balizadas por uma estatística comparativa com países que não guardam qualquer semelhança com a realidade brasileira.
Será que Gustavo Ioschpe teria assistido ao vídeo da professorinha Melissa Gurgel lá do Piauí, ou mesmo um daqueles vídeos gravados em forma de monólogo por um garoto chamado Felipe Neto?  Seria Gustavo Ioschpe capaz de ouvir um contraponto ao seu discurso ou escreveria para sempre no vazio sem a necessária coragem de tomar conhecimento do que pensam sobre suas ideologias? Conseguiria ele participar de uma reunião de sindicato e compilar dados para uma pesquisa de campo fazendo a devida suspensão do seu objeto de pesquisa, despindo-se de seus preconceitos?
Hoje estou incomodada, desconfortável com o título de Professora. Transformaram-nos em vilões dos fracassos de uma direita que hoje virou oposição e não consegue se manter como oposição, insistindo em governar “sobre e apesar” do governo instalado , de maneira que tudo se transforme num samba do crioulo doido.
O que faremos – diretores corruptos ou não, eficientes ou não – com os aluninhos que, no ciclo, com doze, treze anos, analfabetos continuam avançando? Como questiona a professora Melissa Gurgel: Seríamos nós os professores, com nosso salário de três algarismos, os responsáveis pelas políticas públicas que dão formato ao ensino no Brasil?   Será que o mocinho bonito, do alto do seu pedestal, já pensou no que se poderia/deveria fazer com crianças pequenas que chegam à Educação Infantil pública capazes de bater e cuspir na cara de professores, disparar um arsenal de palavrões que vão desde o chulo (beiram a linguagem marginal, aquela que dá o tom da identificação de drogados, traficantes, bêbados e marginais de toda espécie)?  E aí, professor (?????) o que as estatísticas dizem sobre isso? Provavelmente continuaremos, em nossos planejamentos, sendo convidados a assistir aos filmes pedagógicos que enfatizam o sucesso de professores bem sucedidos – ditos não mercenários - no Brooklin e outros continentes tão semelhantes á nossa realidade.
As políticas públicas determinam a garantia dos direitos da criança, deixam, porém, em branco, as páginas sobre os direitos dos professores, donde convém refletir sobre o significado de expressões semelhantes a “peitar sindicatos”. Somos conhecedores de todos os nossos deveres, mas pouco sabemos sobre nossos direitos; e a inconteste tentativa de silenciá-los não aprece em constituições, resoluções, decretos, leis ou portarias, ela é escandalosamente divulgada por meio de artigos como esses do brilhante menino Gustavo.
Sou professora, mesmo que hoje isso doa. São sessenta horas semanais de trabalho em pé, sem tempo algum para pesquisa, o rosto cuspido por uma criança de seis anos: “Minha mãe mandou!” Sim, quando o diálogo não vence o professor é cuspido e chutado, respira fundo e tenta outra vez um novo instrumento pedagógico, “um fazer significativo”, e recebe de volta: “p..., maconheira; desgraçada”.
Procuro ser ponderada, entender os papéis e amenizar os conflitos; respeito os sindicatos embora seja contra as greves no serviço público, marcadamente na área da educação. São as mães das crianças que autorizam o filho a enxovalhar a professora que pagam os impostos e mantêm funcionando os CMEIS, portanto têm o direito ao depósito para os seus pequenos, e a inversão da lógica dos papéis família versus escola está amparada nas políticas públicas. Cabe-nos, então, buscar e bancar nossa qualificação e aperfeiçoamento com nossos salários de três dígitos, sem lamúrias, e aceitarmos a pecha de responsáveis pelo fracasso nos índices educacionais do país.
Ser professora hoje é enfrentar o embate diário com as crianças de zero a seis anos que já trazem no sangue a dependência de cocaína e crack. Ser professor hoje é ouvir do papai que “ensinei mesmo, se ele apanhar na creche apanha de novo em casa, tem que se defender desses filhos da p...”. Ser professor hoje é não saber (não deu tempo de pesquisar) como agir quando a criança de cinco anos traz dentro da mochila uma enferrujada faca embrulhada em jornal, quando essa criança explica que vai matar “o polícia” que levou seu irmão.
O planejamento, feito a duras penas, nas madrugadas da vida, conta com a pesquisa solitária do professor, sim, esse professor que paga as anuidades de sites, revistas e jornais com parcela do seu salário – sim, aquele que tem desequilibrado o saldo da Balança Comercial - para ler Gustavo Ioschpe falando sobre Educação Brasileira. Esse mesmo professor precisa entender como trabalhar os conceitos relacionados às “lutas corporais” com crianças pequenas com o objetivo de redirecionar a energia e reduzir a agressividade infantil.
Precisamos pesquisar exaustivamente para transformar sem desrespeitar os “Saberes” da Secretaria Municipal de Educação, em algo que possa contribuir para a formação de cidadãos honestos, dignos, com direitos de uma vida decente. Estuda-se os “Saberes” o ano inteiro e sua redundância não diz muito, não vai muito além de nos fazer pensar que a ideologia que o permeia sustenta a clara política de classes, para a inculcação adequada à resignação daqueles que comporão o exército de reserva (Karl Marx) do amanhã; os controlados que servirão aos controladores. Implícita nas entrelinhas dos “Saberes” está a diferença de propostas, o distanciamento de políticas públicas para a educação infantil e séries iniciais na rede pública, em relação àquelas desenvolvidas na rede particular, sob a égide da “mão invisível” (Adam Smith) do mercado, donde sairão os donos do poder, os senhores dentre os quais figura o ilustre economista Gustavo Ioschpe.
As nossas crianças, aquelas da Rede Municipal de Educação, o que seria das elites sem elas? Portanto, nós professores - e é isso que incomoda aqueles que atacam sindicatos - sob a tutela dos “Saberes” devemos nos esforçar para formar atletas e “artistas de reciclagem” (Isso lembra muito os ideais gregos), que é o que podemos fazer dentro das propostas discutidas na orientação com coordenadores; apoios pedagógicos e dirigentes. Não podemos e não devemos nos insurgir contra os objetivos pedagógicos e nem contra nossos tão valorizados salários.


Nós, professores (as) devemos ser críticos, altamente críticos, atualizados e bem formados (pós-graduação, especializações lato e stricto sensu) e “dar conta” de acompanhar o processo sem resmungos, preferencialmente sem filiação a sindicatos e sem criticar o que está colocado como um arranjo social que visa manter o status quo, a abissal distância entre ricos e pobres. E isso, tenho certeza, Gustavo Ioschpe não ignora, o que fica evidente em seu artigo “Hora de peitar os Sindicatos” (edição de 12 de abril de 2011 da Revista Veja). 
Enfim, ser professor (a) é ser feliz, gostar do que faz, viver intensamente, mesmo que seu “Caderno de Repasse” seja utilizado pelo seu diretor como objeto de fiscalização do seu “fazer pedagógico” e transforme isso numa ridícula situação pessoal, mesmo entendendo que para melhorar os indicadores do país no quesito educação, deve-se medir “qual” educação e em que medida ela deve ser concedida a depender dos estratos sociais a reivindicá-la. 

quinta-feira, 23 de junho de 2011

Amor de mãe em conversa com a Luciana (Um paralelo a “Conversa com Danuza”)

Li recentemente um texto da Danuza Leão em que esta diz ter um único aparelho de celular, daqueles pré-pagos que nos obrigam a comprar um cartão de vinte e cinco reais todos os meses. Identifiquei-me tanto com ela, mas... Como ainda não aprendi a usar o twitter não consegui fazer contato.  Hoje eu a reli falando sobre filhas e mães, e a paixão das filhas por homens vagabundos, melhor dizendo, sedutores vagabundos.  Não escreveu sobre filhos (machos), mas consigo colocar-me do outro lado e fazer a releitura. Eu sou mãe e apenas isso importa. E desejo ardentemente que uma das filhas de uma das Danuzas da vida se apaixone pelo meu filho, que ele viva novamente um amor intenso, mas não por aquela moça que passa o dia cuidando das unhas e do cabelo (haja chapinha), e que bebem vodka pura quando estão com ele, desejo ardentemente que meu filho se reencontre num amor intenso, porém sereno, calmo, que estabeleça uma relação de cumplicidade, porém, de muito mais respeito que cumplicidade. Que aja amor enquanto houver desejo e partilha.
Sim, porque não sendo mãe de filha eu vejo a filha do outro que seria o grande amor do meu filho, uma moça que se arrepie ao seu toque, mas que não viaje para o mundo mirabolante das fugas do real, que esteja com ele no chão, sem subterfúgios. Uma moça tão linda que o traga de volta para as coisas que importam: para a luz do dia, para um nascer de sol e um dormir de conchinha depois de um filme que terminou pouco depois da meia noite. Ah, eu quero que as doidas se retirem, que meu filho viva um grande amor com alguém que consiga tomar uma taça de vinho sem cair na sarjeta cheia dos vômitos da falta de controle.
E eu lamento, tanto quanto a Danuza, que não seja possível transmitirmos nossas experiências, pois talvez não tivesse perdido meu filho, talvez ele olhasse para mim como se olha para um espelho ao avesso, sentisse horror e refizesse seus caminhos de outra forma, mas, de fato, a vida precisa ser experimentada e não ser vivida como uma experiência refletida.  
Eu quero que meu filho continue trabalhando, eu tenho orgulho disso, mas quero que ele olhe por outras janelas e veja quantos mundos podem ser explorados, quero que seja um estudioso natural desses mundos, para não perder todos os trens que passam a velocidades estonteantes numa vida que é tão breve. Mesmo trabalhando muito eu gostaria que ele percebesse o “vestido novo da sua princesa e inclusive as mechas de cabelo alteradas”, que ele seja pobre, mas não deixe de ser educado e cavalheiro.
Ah, como mãe, é como a mãe que eu gostaria até de não ser, que eu desejo sim, desesperadamente, que ele encontre uma princesa de verdade e não uma “mala sem alça”. É preciso encontrar um amor daqueles: “que seja bom prá mim” (Segredos – Frejat). Sim, porque mãe de um filho macho, eu gostaria de ser a mãe da princesa que eu desejo para ele, porque acredito piamente que uma mulher de verdade leva grande parcela de responsabilidade na construção do caráter de um homem de verdade; daqueles que ao tocar na cintura faz o coração bater mais forte e todos os hormônios entrarem em ebulição.
Eu sou mãe de filho macho sim, e quero um mundo seguro para o meu filho, uma vida calma – nem sei se quero netos, acho que o mundo não merece mais crianças – e dentro de um mundo seguro cabe uma mulher equilibrada, que caminhe junto, que dê a mão em qualquer circunstância, que saiba dizer não e dizer sim, que saiba dizer chega, tá na hora de parar. Uma princesa para o meu filho precisa ser maior do que “os porres, as madrugadas desvairadas e sem controle”, porque eu, a mãe, sinto uma necessidade enorme de dormir uma noite em paz, de dormir sem sobressaltos dentro de sonhos-sonos conturbados e cheios de medo. Eu quero meu filho de volta e quero deixar de sentir medo.
Eu não sou mãe de filhas, mas gostaria de ser a mãe das princesas que mereceriam meu filho, pois o criei para ser feliz. Eu confesso sim, que projetei um milhão de sonhos, que transferi para ele minhas frustrações, ah, transferi! Eu o imaginei tocando guitarra, trabalhando com arte, um rapaz com alma e sensibilidade, um homem forte e que fosse capaz de matar todos os fantasmas que se interpusessem em seu caminho. Um mochileiro de rabo de cavalo pegando carona e percorrendo o mundo, falando inglês, praticando esporte, levando uma vida saudável. De tudo isso, o que foi que eu fiz mesmo???!!!!
Sei lá, eu sou uma mãe que não deu certo e queria meu filho de volta. E, penso cheia de medo e dor, que o meu amor de mãe é muito diferente do amor da Danuza, mas eu gostaria muito de ver meu filho “ligado a pessoas sérias, com quem pudesse dividir responsabilidades e dormir noites em paz”; sim porque eu também gostaria de dormir noites em paz e sei que nunca mais conseguirei. Mas eu sou mãe e amo meu filho. 


A quermesse, o padre pedagogo e o mingau na bolsa: um dia de cão


Agendei um encontro na Secretaria de Educação para tratar de um assunto relacionado à Educação. Acho que não prestaram muita atenção, pois ao que me pareceu, agendaram meu encontro com  uma pessoa errada, numa hora errada:  um momento de confraternização (festa junina) e o pior, a documentação protocolada há três semanas, que deveria ter chegado até a pessoa antes disso,  parece ter desaparecido. O ambiente era de festa:  tudo muito  lindo, colorido, guloseimas circulando de um lado para o outro, funcionários se abraçando naquele clima de véspera de feriado.  Enfim, cheguei na hora errada.
Havia agendado hora com três semanas de antecedência com um padre cuja função é diretoria pedagógica e fui recebida por ele com uma frieza e uma  indiferença que fizeram com que eu me sentisse funcionária de uma fábrica de concreto.  Pois é, isto foi ontem. Na linha das compensações, considerando o trânsito das energias do universo, fui  presenteada com uma longa conversa com uma pessoa linda cujo exemplo todas as pessoas que lidam com educação deveriam seguir.
No mesmo evento, ainda no meio desta conversa agradável, uma moça simpática, cujo rebento devia  estar, dentro do seu ventre,  reclamando sua vinda a este mundo, exigindo liberdade; ofereceu-me uma canjica, um arroz-doce, quitutes da quermesse. Para não ser indelicada, ou melhor, vulnerável e sem condições de vencer os demônios da minha compulsão alimentar, apanhei os dois frasquinhos – estavam devidamente fechados – e enfiei-os dentro da bolsa.  Encerrado todo esse emaranhado, essa trama que me deixou fragilizada e em lágrimas, abri a bolsa um tempo depois e constatei que havia uma gosma cheia de grãos que se grudara em todos os meus objetos pessoais: não eram celulares, eram simulações de obras de artistas loucos, não eram carteiras nem necesséries, eram peças desenhadas por artistas exóticos decoradas com apetrechos esquisitos, grudentos. Meus óculos se transformaram em esculturas barrocas e, o meu desespero, ah, o meu desespero!! Cinqüenta alunos me aguardavam em sala para fechamento de semestre, entrega de notas, coisas do gênero. Logo após eu teria uma reunião.
O dia foi longo. Cheguei em casa, sentei-me no chão e fui separando os objetos gosmentos. Joguei algumas peças no tanque, outras sobre a mesa, e tudo isso enquanto chorava. Isso. Eu não consegui me conter, não consegui evitar o questionamento: Por que todos os dias me acontece algo assim? Por que atraio tanta energia ruim, porque estar submetida à Lei de Murhp vinte e cinco horas por dia?  Eu não sei; a bolsa está no varal e as miudezas sobre a mesa em fase de secagem: verei o que será possível aproveitar.
De tudo isso levanto mais uma questão no rol de tantas interrogações: como é possível buscar melhorias, tentar alavancar os índices brasileiros da educação no cenário internacional se não conseguimos, entre educadores, agir comamorosidade (Brandão, 2006), ser tolerantes e, ao menos por alguns instantes, entregarmo-nos à escuta, à angústia do outro,  envolvermo-nos pelo conceito de “alteridade”????? É com essa sensação de “Patinho Realmente Feio” (Jon Scieszka & Lane Smith) que eu vou me debruçar sobre o excesso de trabalho de todo educador nesse sagrado ferido de corpus Christi.
Goiânia, 23 de junho de 2011.
Luciana de Castro Magalhães. 


domingo, 12 de junho de 2011

Matar a morte?


“Matar a morte” foi o termo usado por uma pessoa querida para descrever a sensação de envolvimento pleno com a leitura do livro: A menina que roubava livros (Markus Zusak). Conversávamos sobre várias coisas e lembro-me de dizer que o desejo de morte era uma constante em meu pensamento, algo tão natural, e é um alento saber que ela está à espreita a todo instante; no entanto, sua tarefa também é um tanto árdua, ela também leva muito serviço para casa, esse “ser das trevas” tem muitas limitações em relação ao seu desempenho.

Quanto a mim, o meu embate eterno é com a velhice. Ela me atormenta a cada gota de tempo que escorre por entre os dedos, não consigo vencê-la sem resmungos, sem esse enfrentamento que faz doer corpo e alma. Todo dia um pouquinho. Um pouquinho mais de dor, uma dor generalizada que não se concentra em nenhum órgão físico, ela se espalha como um manto e toma-me por inteiro. Parece situar-se no perispírito, numa dimensão para fora do meu corpo. Um pouquinho mais de tristeza, de frustração, de amargura, de total ausência de vontade. Dói abrir os olhos pesados da noite insone, atormentada pelo medo e a solidão da existência, pisar no chão ao acordar pela manhã. Dói sentir frio, dói a fragilidade diante da compulsão pela comida -  a eterna vontade de comer, a insaciedade - o pavor do próprio corpo no seu gigantismo, a enormidade feia.

A velhice faz tudo doer, um tudo que se alonga, numa dor perene, um caminhar em trilhos lentos de um trem cujo destino não tem mais importância. O medo assoma a cada movimento brusco ou diferente. O diferente dói, amedronta, apavora. Tudo parece um poço sem fim de fracassos, de incertezas, de projetos largados no caminho por pura falta de  estímulo, vontade. Ausência de vida numa vida prolongada, eternamente longa.

Agora não se tem mais de criar o filho, ele se criou e o seu distanciamento também dói. Os medos se concentram naquilo que ele não pode ser, naquilo que não consegui convencê-lo a ser; os medos se misturam com a luz dos sóis que ele ainda verá nascer sem mim para dizer “não vá, não deves ir”. E eu sei que ele irá. Irá porque eu o perdi quando não soube dizer direito o que era certo e errado porque também eu não sabia direito. Eu o perdi para tudo que mais me causou medo na sua infância, para tudo que eu mais abominava quando o olhava pequeno em meu colo,  e suplicava nas minhas orações, implorando ao sagrado que o protegesse, que não o deixasse chegar perto do mal.

Não tenho mais que prestar exame de seleção, não quero mais prestar exames de seleção e passar atestado de mediocridade; não quero mais dirigir e o carro novo me apavora: eu poderia? São tantos botões e a minha cor marrom que não combina.

Não tenho mais que ir a casamentos e batizados, restam-me visitas a hospitais e cemitérios. Até os velórios hoje são divertidos, as pessoas riem sem pressa, como se o tempo as pertencesse, poucas pessoas têm rugas, são donas do tempo e ele passou só para mim; não, ainda não passou, insiste em caminhar com vagar, passos lentos e pesados e meus olhos secos olham cheios de inveja para o defunto estendido. O meu caminho foi cheio de defuntos e todas as minhas lutas foram vãs.  

Não tenho mais que cuidar da mãe doente, e não tenho mais colo de mãe, agora eu sou a mãe que fracassou. Talvez eu nunca tenha sido mãe.

Sobraram-me as noites velhas, de um frio  pavoroso, sobraram-me noites sem estrelas, de caminhos inseguros, de um não dormir com medo de não ouvir o relógio despertar. Como se isso tivesse alguma importância.

A vida foi uma caminhada cheia de sapos que não viraram príncipes, troféus que não foram conquistados, espaços que não foram preenchidos, uma vida de dor. Hoje eu chorei mais do que devia, chorei por todas as mães que não conseguiram ser mães por inteiro, chorei por mim.

A cidade grande continua apertando meu pescoço, seu frenesi me fazendo encolher dentro da minha casca fétida. A alegria do outro me incomoda, a felicidade cara do mundo me enfurece pela sua deslealdade: por que a uns e não a todos? Sinto falta do Kesley Kisley e sofro por pensar que não o verei mais. Quem o teria levado? Ele precisava de mim e eu gostava dele, por que o levaram?

Domingos me enojam pelo rol infinito de obrigações, pela lista que não termina: colocar roupa na maquina, arrumar as gavetas, preparar as aulas, ler os periódicos, o jornal, visitar as redes sociais, esperar o telefone tocar. Ele tocou? Não, o telefone nunca toca. Domingo leva fatalmente a uma exposição que atormenta: tenho que ver o mundo em seu arco-íris reluzente: pessoas felizes, falantes, agitadas, e eu envolta, falando, cuspindo, babando, o medo me corroendo por dentro. Acabaram os comprimidos, não quero mais tarjas pretas, não quero mais fazer de conta que não dói, porque dói, dói muito.

 No caminho de volta eu pensei  nas minhas sensações ao ler “A peste” (Albert Camus) e Ensaio sobre a cegueira (José Saramago): as semelhanças trágicas de seus personagens e a minha presunçosa identificação com os desgraçados. Estou cansada de um tempo parado e frio, de um quarto assombrado feito sarcófago, de uma noite eternamente medonha, à espera de que algo trágico me arranque da letargia e me suspenda desse torpor. Sinto medo enquanto espero o filho que não chega, medo de que ele não chegue mais.

 

Goiânia, 12 de junho de 2011.


quarta-feira, 18 de maio de 2011

Eu acredito em anjos

Assisti esse vídeo: http://www.youtube.com/watch?v=3K3X9CriicE&feature=fvst  nesse exato momento e pensei no padrão de beleza que move a sociedade capitalista. Existiriam anjos gordos e sem forma definida? Existiriam anjos tortinhos e encardidos? Uma mulher gorda e velha rumaria para a corrente que não para a  morte e o fim? É ruim ser gordo, é ruim ser feio, é ruim envelhecer e sentir frio. É ruim  saber que se faz parte de um sistema hipócrita que para dissimular a discriminação trabalha a diversidade consolidando a inferioridade da diferença. É tudo tão lamentável.
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sexta-feira, 22 de abril de 2011

Estresse da agendona do feriadão



O primeiro sintoma do estresse
abrir simultaneamente duas páginas no computador.
Buscar rostos vazios no espaço vazio
Para onde foram todos?
Por que também não fui?
Por que tanto trabalho sobre a mesa
atrás do porta-retrato onde procuro o rosto
desfigurado da figura humana sem rosto?
Pulsa um desconcerto na orquestra dos 
vasos sanguíneos.
Uma tristeza sem importância de solidão
acompanhada.
Uma busca de nada num momento já passado
de uma vida já esgotada sem conclusão.
Trabalho inacabado, tecitura desfeita,
tecido rasgado 
corpo cansado de uma jornada insana.
Eu não quero ir, não preciso voltar, não quero 
estar. 
O que é páscoa?




domingo, 20 de março de 2011

J.R. GUZZO E UMA CONCEPÇÃO DE SOCIEDADE - SOBRE O QUE PERDOAR


O artigo de J.R. Guzzo, na edição nº 190 da Revista Veja causa certo desconforto diante da complexidade das afirmações do autor. Existiria mesmo esta máxima de que estratos políticos, segmentos sociais tenderiam a apresentar Fernando Henrique Cardoso como o inimigo número 1 do povo brasileiro?
Na semana passada diversos veículos de comunicação circularam artigos e charges aos montes colocando em destaque candidaturas de celebridades e cidadãos comuns,  com formação e características totalmente díspares em relação ao contexto político na sua melhor definição. E aí diversos intelectuais, jornalistas, colunistas e outros levantaram a seguinte questão: Seria esse fenômeno uma conseqüência da elevação ao cargo de Presidente da República, de um cidadão sem formação acadêmica? Ou seja, esses cidadãos do mundo, com suas graças, trejeitos e pretensões, anseiam por ocupar as cadeiras no quadro político da nação por pensarem que, se Lula conseguiu eles também conseguiriam?
Sinceramente, não vejo como validar a afirmação de J. R. Guzzo e nem ao menos concordar com as tergiversações e verborragias sobre as candidaturas exóticas e estúpidas apresentadas ao país. Fernando Henrique Cardoso é um ilustre cidadão brasileiro, um intelectual de primeiríssima linhagem, que deixou seu legado à nação, legado este que não pode ser ignorado, não pode ser menosprezado. Mas, o povo não perdoaria o seu sucesso? Será que “o povo” conseguiria fazer essa reflexão? Será que esta afirmação poderia ser estendida aos segmentos universitários como um todo? Imagino que o que incomoda, o que causa desconforto, o que talvez seja imperdoável e não fica bem claro nas discussões tratadas na mídia, é a relação de FHC com a elite no contraste com a miséria brasileira e não o seu sucesso.
 Imagino que o que causa repugnância e desconforto seja a desigualdade e a injustiça social que grassa o país com tão abjeta distribuição de renda. Num país com destaque para Galvão Bueno e seu mega-salário, com as bolsas Louís Vuiton  usadas como indicadores de ascensão social, tendo ao fundo indicadores de educação que nos coloca no fim do ranking comparados com países extremamente pobres, seria o caso discutir perdão para o sucesso de Fernando Henrique Cardoso?
A identificação com  Lula da Silva tem toda uma fundamentação teórica na sociologia, difícil é encontrar embasamento para a defesa da miséria e da pobreza sob os porões de qualquer estilo político de governo. Bastaria um olhar sobre o que se esconde nos esgotos da nobreza brasileira.

Luciana de Castro Magalhães
Bacharel em Ciências Contábeis, pedagoga, especialista em Auditoria e Análise Contábil, mestre em Educação, professora universitária e da Educação Infantil (SME).

Goiânia, 1º de setembro de  2010.

O RIVOTRIL DA FERNANDA E A VIGÍLIA DO PONDÉ

No sábado, 5 de fevereiro deste ano li na folha ilustrada – após alerta de um amigo - um artigo da Fernanda Torres. Li, inicialmente, sem sequer prestar atenção à autoria. Refiz todo um trajeto em torno das minhas neuras, dos momentos em que o medicamento foi uma imposição médica, doutros em que eu disse “não, eu não quero isso, eu não preciso disso”; e doutros momentos em que essa decisão insana de não me submeter à medicação trouxe alguns transtornos irreversíveis. O texto é interessante, leve, claro e fui sublinhando os trechos mais parecidos com a minha situação: algumas crises, frustrações, dores, noites de insônia, da minha paúra da alegria comprada em cápsulas e por aí fui..... Deti-me sobre dois aspectos interessantes do texto. O primeiro quando a autora diz: “Li com inveja e espanto a notícia de uma mulher que desconhece o medo. A síndrome de Urbach-Wiethe destruiu sua amígdala , uma estrutura em forma de amêndoa situada no fundo do cérebro, e desarmou seus alertas internos de proteção e perigo”. Muito interessante a informação. Mas, os mecanismos de defesa que nos possibilitam a sobrevivência ante o perigo exercem em meu organismo um efeito mais ou menos visceral, quase devastador. O medo se transforma em raiva, em ira, que faz com eu perca completamente a razão. Então, nesse caso, talvez fosse verdadeiramente “uma benção”. Noutro dia, no centro da desgraça em que se tornou o trânsito nos centros urbanos do país, sob forte chuva, um taxista infeliz, para aproveitar o sinal amarelo, passou voando e me cobriu de água, obstruindo minha visão, fazendo com eu batesse meu carro violentamente no carro da frente que bateu no outro da frente e a coisa se tornou um inferno. Eu me mantive presa dentro do carro por menos de uma hora e o único pensamento que me sufocava, o único sentimento que me consumia era o desejo de sair dali, ir ao encontro daquele taxista e, da forma mais dolorosa possível,destruí-lo, matá-lo várias vezes. Como eu não podia sair do meio da situação, eu desejei fortemente que ele morresse no próximo sinal, que ele se espatifasse no primeiro poste no caminho. Foi esse sentimento que me alimentou pelos próximos dias: o ódio. O resto não importava.
Mas, voltando ao texto da Fernanda Torres, detenho-me noutro momento em que ela fala do conselho de um amigo que insiste em viver há mais de 74 anos: ‘Finja! Crie um personagem e finja ser ele (...) quem enfrenta a realidade enlouquece, a única saída para a sanidade é uma dose de alienação. A arte é a única saída possível”. Adorei. O amigo é Domingos Oliveira, gostei mais ainda. Aí, fiz então uma viagem no tempo dos meus infernos-astrais. Percebi que dentro das minhas guerras insanas, eu acabei sempre saindo delas como uma “mentira”, “um eterno faz-de-conta”. E continuei chorando pelas estradas empoeiradas da minha existência medíocre, as lágrimas misturadas ao pó , sob a lógica dos cientistas e do artista Cazuza: “O tempo não para”. Pouco antes do final da leitura, agradável, diga-se de passagem, pensei comigo mesma: Tomara que a vida ao menos não me imponha o fardo de 74 anos, que isso acabe logo.
O Rivotril se tornou um paliativo para os momentos emergenciais, aqueles em que meu organismo insiste em expor-me a riscos mais complicados, no trabalho, no trânsito, na relação com o outro etc. Mas, nunca engoli a dependência. Quase sempre prefiro não dormir, prefiro revirar na cama até que o dia amanheça e, com os olhos secos, eu possa recomeçar o meu inferno. A história com a Fluoxetina é a mesmíssima: São instrumentos obrigatórios para aplacar a minha ira, para que eu consiga transitar como um ser humano civilizado dentre os outros mortais, sempre tão felizes, bem sucedidos e superiores. Não suporto festas, a alegria exagerada das pessoas me sufoca, os ambientes sociais, quando inevitáveis me corroem a alma. Muitas vezes, andando a esmo no meio de um desses eventos dos quais não se pode escapar, circulando com uma taça de champanhe na mão, me pego pensando no “Poema em linha reta” do personagem gigante Álvaro Campos.
A fluoxetina aplaca os meus ódios e me faz rir até as lágrimas, uma alegria patética. Os personagens variam da “mulher poderosa” que transa com o ator Steven F. Seagal; caminha suavemente às margens do Rio Sena e na Avenue des Champs-Élysée em Paris; é entrevistada por Jô Soares ou senta-se, leve, batendo um papo descontraído com Oswaldo Montenegro numa barraca qualquer , tomando água de coco em Ipanema. Sim, a imaginação não favorece apenas Domingos Oliveira. A mim também. Mas, a realidade se sobrepõe e a mulher que prevalece tem o desejo sexual sufocado pelos antidepressivos e um parceiro tolerante; conhece apenas a Paris de Marcel Proust nos cenários de “Em busca do tempo perdido”; sequer conseguiu descobrir como twittar com Jô Soares na Internet e come entre lágrimas todos as músicas que foram gravadas pelo Oswaldo, levando de quebra Madalena Sales.
Agora, convenhamos, Fernando de Noronha deve, de fato, ser um poderoso antidepressivo e que se salvem os “doentes dos nervos”, deprimidos que sequer têm acesso á Folha Ilustrada, que muitas vezes sequer sabem o que é depressão e engolem o rivotril, a fluoxetina e tantos outros psicotrópicos nas fórmulas manipuladas, sem ao menos saber a composição da droga. A ignorância quase sempre é, antes da arte, o melhor remédio. Que de medicamentos, arte e Fernando de Noronha entendem mesmo aqueles que ficam resguardados na pontinha da velha pirâmide, que acabou virando gráfico, mas continuou delimitando, definindo bem os espaços de cada um nas suas devidas classes sociais.
Pensei em comentar o artigo, mas acabei guardando-o numa gaveta até que na edição de 14 de março, de novo na ilustrada leio Luiz Felipe Pondé: Vigília. Graças a Deus!!!! Você tem baixa autoestima? As razões são óbvias: falta de grana, de afeto e de saúde. “Baixa autoestima é a regra do mundo. Todo adulto sabe disso. Mas ficou na moda dizer que todo mundo é maravilhoso”. O autor fecha brilhantemente afirmando que: “Os melhores dias da minha vida são aqueles em que eu não lembro que existo”.
Enfim, que prevaleça a miséria; a miséria dos deprimidos elitizados, dos miseráveis intoxicados de todas as formas medicamentosas, de drogas lícitas e ilícitas, das vítimas morais conscientes ou inconscientes da baixa autoestima, dos amantes de Santo Agostinho ou dos leitores de Augusto Cury.
Mas, quanto custaria mesmo um pacote de turismo para a ilha de Fernando de Noronha com direito a hotel cinco estrelas?
Luciana de Castro Magalhães
Bacharel em Ciências Contábeis, pedagoga, especialista em Auditoria e Análise Contábil, mestre em Educação, professora universitária e da Educação Infantil (SME).
Goiânia(GO), 19 de março de 2011.

domingo, 6 de fevereiro de 2011

POR QUE SOBRE AS PALAVRAS E AS COISAS?

Hoje estou vivenciando um daqueles dias de extrema solidão. Solidão de objetivos, de companhia de física, de partilha, de cumplicidade, de contato físico, solidão de estar num mundo que não interessa ninguém. E, de repente, diante de mim, com a leitura pelo meio do caminho o livro: Michael Foucault - As palavras e as coisas. Difícil hoje, difícil mesmo! Eu sinto uma enorme vontade de fumar um charuto, tomar um vinho, cair num porre, assumir um fracasso. O nome que se dá ao fracasso é fracasso mesmo, mas é preciso encontrar uma forma amena de dizer isso sem abrir uma abismo no espaço onde a convivência social é necessária. E como diria o meu velho Quintana: "O pior dos nossos problemas é que ninguém tem nada a ver com eles." E nesse caso seria estúpido dizer que que a quantidade de peixes dessa lagoa é exatamente esta quantidade que você está vendo. Preciso aprender a dizer "não". Dizer não porque aceitar o que me propõem agora é abrir mão de fazer aulas de inglês, é preciso dizer "não" porque aceitar esse desafio agora, embora eu vá aprender muito com a tarefa, significa interromper meu curso de fotografias, algo que tanto me faz bem; preciso dizer "não" porque aceitar esta proposta agora significa não ter disponível nenhuma parcela de tempo para concluir o projeto do meu novo livro e, mais uma vez, deixar para a próxima oportunidade; realização esta que, também, me daria tanto prazer.Dizer não porque eu havia prometido a mim mesma que nesse ano eu participaria do processo de seleção para o doutoramento; e se aceito esta proposta tudo vai por água abaixo; terei que adiar mais uma vez. Eu quero dizer não, não, não, não e não. Mas, não consigo. E o vazio desta casa onde ninguém tem nada a ver comigo, me esmaga, paralisa meu cérebro, impede-me de desenvolver atividades para as quais tenho prazo definido de entrega. Serei punida? Sim, é claro; pelo processo e por mim mesma, porque sou meu pior algoz. As coisas são assim: elas estão aí, representadas anteriormente pela idéia das coisas mesmas, mas elas não conseguem dizer nada. Por que precisa ser tão difícil, doer tanto? Também Foucault diria que "existem momentos na vida onde a questão de saber se se pode pensar diferentemente do que se pensa, e perceber diferentemente do que se vê, é indispensável para continuar a olhar ou refletir", e disso não abro mão. Vou perder, vai doer, vou sofrer, mas terei que dizer não, pois insisto em ser eu mesma, construir meu tempo, vencer meus demônios e, sobretudo, 'continuar a olhar e a refletir' . Helppp!!!!!!!!!!!!! Luz Dalma, por favor eu preciso de você hoje ainda; fala comigo, por favor.

segunda-feira, 28 de junho de 2010

SOBRE OS ENIGMAS DA ADIÇÃO (De Lya Luft)

Goiânia, 13 de junho de 2010.

SOBRE OS ENIGMAS DA ADIÇÃO (Coluna de Lya Luft na Revista Veja, de 09 de junho de 2010.)

A minha leitura de Lya Luft foi mudando com o tempo, portanto com a maturidade, embora eu já a tenha conhecido depois dos 40 anos. Passeei pelos seus livros até com certo encantamento, porém, os anos foram me tornando mais ácida, mais crítica e, por fim, comecei a perceber que a estava lendo apenas para contradizer, para fazer comentários amargos. Mas, nunca arredei o pé. A cada publicação estou eu ali, fiel, talvez porque goste da forma com que ela cuida do tema “envelhecimento”.

Na semana passada me deparei com a coluna: Sobre os enigmas da adição. Ao final da leitura eu senti raiva, eu me senti insultada, eu me senti desprezada. Contudo, era Lya Luft, uma mestra das palavras, mesmo que sejam aquelas palavras desenhadas nos outdoors, sobre as quais ela nada conhece, por não ter sequer noção do que seja submersão no submundo, noção do que seja chafurdar na lama dos desgraçados viciados, das suas famílias destruídas, das suas chances perdidas.

A reação imediata foi uma carta-resposta para a revista veja: alguém teria que ler, teria que comentar, alguém teria que saber que senti tanta raiva. Bobagem! Eu fui me acalmando e usando o backspace nas palavras até que a página vazia não dissesse mais nada do meu ímpeto frenético. Apenas o título jazia lá no início da página, encimando uma raiva amainada. Primeiro porque o critério de seleção das cartas à revista veja me são desconhecidos; nunca consegui com que publicassem um dos meus comentários a qualquer matéria que fosse, depois porque o texto estava eivado da minha amargura, dos meus medos, dos meus fantasmas.

Contudo, hoje, a revista ali na minha cara, insistindo, voltei para o notebook e resgatei o título: precisava escrever qualquer coisa, fazer um registro.

Serena, com total domínio das minhas emoções quero comentar alguns pontos desse artigo: “Livros, seminários, teses e teorias em abundância são elaborados em cima da primeira pergunta: por que nos drogamos?” De repente eu me reporto a Durkheim na sua afirmação da necessidade de suspensão do sujeito, da necessidade de afastamento do objeto para que se possa produzir ciência: “A ciência só aparece quando o espírito, fazendo abstração de toda preocupação prática, aborda as coisas com o único fim de representá-las” reescrita num site de cultura sob a afirmação de que “...estudar os fatos unicamente para saber o que eles são implica uma dissociação entre teoria e prática, o que supõe uma mentalidade relativamente avançada, como no caso de se chegar a estabelecer leis relações necessárias, segundo a concepção de Montesquieu”. Ou na concepção do método cartesiano de produzir ciência, quem sabe, “Os estudos devem ter por finalidade dar ao espírito uma direção que lhe permita conduzir a julgamentos sólidos e verdadeiros sobre tudo que se lhe apresente” (DESCARTES, Règles. 1970: p.1)

Aí a minha reflexão se detém sobre a impossibilidade de seres humanos, de certa forma imortais na sua superioridade, com sua vida tranqüila em luxuosas casas com temperatura controlada, cercadas de segurança e erigidas sobre infra-estrutura de primeiro mundo, consigam mergulhar dentro das razões pelas quais nós, os mortais comuns nos drogamos. Antes que minhas palavras se resvalem por interpretações errôneas, que se esclareça que eu não me drogo, sinto apenas os arrepios do medo, os silvos ameaçadores dos monstros “drogadores” rondando, como se nos pudessem comer a carne e a alma. Frutos do capitalismo? Crias da crise religiosa no mundo inteiro? Ou motivadores para o nascimento de tantas novas seitas e religiões? Rebeldes desafiadores ante leis frouxas e coniventes com o crime?

Por que nos drogamos? De onde emergem as fraquezas que nos fazem sentir miseráveis a ponto de precisarmos “do barato”, “da zoação”, “do frenesi” instantâneo e do êxtase que as drogas proporcionam? Por que estar lúcido é tão sem graça, é tão frio e tão insignificante na sociedade moderna? Onde foram parar os valores que nos garantiam a dignidade da vida dos nossos pais na sequência das gerações? Eu cresci num mundo miserável e cheguei aos quarenta anos sem conhecer “um baseado”, sem a necessidade da viagem do ácido lisérgico. Fui totalmente careta.

Para Lya Luft “a razão de qualquer vício não está na superfície, não é visível muitas vezes mesmo para o mais dedicado terapeuta permanece um enigma, que nem o viciado entende”. Será mesmo algo tão misterioso assim?

Os meus questionamentos têm a simplicidade da minha formação: vivendo nos grandes centros urbanos, à mercê de políticos corruptos e sem políticas públicas mínimas de segurança, amontoados em míseros barracos, sem condições dignas de transporte e saneamento, ou seja, sem o atendimento sequer das necessidades básicas garantidas na Constituição, qual o caminho mais fácil para se livrar da frustração e da sensação de fracasso numa sociedade tão desigual? A própria sociedade se encarrega de criar o poder paralelo, os agentes da “economia do crime” para onde migram nossos filhos, onde nossas famílias são destroçadas e engolidas como por uma areia movediça, num caminho sem volta.

A chamada “adição” da Lya Luft se instala sem que tenhamos tempo ou instrumentos para contê-la. O Estatuto da Criança e do Adolescente dita as regras de como as crianças e os jovens devem ser tratados, protegidos e amados. Novo projeto de lei em andamento e ficará definida a “palmada educativa” como um crime a ser punido, sua denúncia incentivada.

Impotentes, numa covardia silenciosa, amordaçados pelo medo ante a possibilidade remota de diálogo, nós encontramos nas mochilas de nossos filhos os “tocos de baseado”, os “frascos de colírio” e, aterrorizados passamos horas organizando o pensamento para uma abordagem, uma conversa aberta com nossos filhos sobre os perigos da dependência química. Mas, antes disso nós os gestamos, batizamos, possibilitamos que freqüentassem boas escolas, tivessem acesso a informações sobre os malefícios da “adição”, chamamos a atenção para as campanhas veiculadas na mídia, compramos livros e oferecemos, incentivamos a prática de esportes e nos mantivemos atentos aos círculos de amizades, às saídas inevitáveis na adolescência. Sim, cuidamos disso.

E o que aconteceu dentro das escolas, dentro das catequeses, das quadras de esportes? O crime circulou por lá com ampla liberdade, os contra-agentes da paz no seio das famílias. Fomos tornando-nos ocos e nossos filhos, nossos irmãos caçulas, nossos sobrinhos e os jovens filhos de nossos amigos foram sendo tragados pela “adição permitida” por um Estado que recebe para administrar a sociedade.

No ritual familiar descrito por Lya Luft, é verdade sim, as pessoas se drogam, as pessoas bebem, as pessoas se medicam para suportar a dor de tantas perdas. E os filhos são frutos destas famílias destroçadas. Mas, somos treinados pela psicologia a fazer tudo certinho. Só não nos dizem o que fazer quando não podemos prender a corrente, trancar no quarto ou espancar, quando começamos a encontrar os resquícios da “adição”.

As inúmeras garrafas de uísque espalhadas pela casa denunciam o alcoolismo velado, e a esse ponto já se foi o amor pelos pais, o interesse pela construção de uma carreira, o desejo de constituição de uma família, com filhos, cachorro e casa.

Talvez faltasse à Lya uma reflexão mais profunda sobre as razões que levam as “mulheres de qualquer classe e idade com aquele típico olhar vazio da medicada” a precisar dos medicamentos. Talvez ela não compreenda que essas mulheres não ignorem os olhos injetados de seus filhos e nem o seu fracasso na escola; talvez a miséria dessa mãe seja a constatação de se saber vencida pelo monstro que arrebata seus filhos e nunca mais os devolve, mães que carregarão para sempre a dor do fracasso de não terem conseguido transmitir valores a seus filhos, porque uma sociedade podre e desgraçadamente corrupta preferiu entregar seus jovens aos traficantes. Mais barato? Mais cômodo, talvez, para o poder público justificar a continuidade do sistema que está posto: a sociedade dividida entre os bem sucedidos e os fracassados, os ideais neoliberais conduzidos pela mão invisível do mercado, mesmo que esse seja o mercado da droga, do álcool e do crack que joga aqueles que amamos na sarjeta e nos impinge essa cara de fracassados e incapazes de gestar, parir e cuidar.

Do fundo da minha impotência, eu espero mesmo, que cientistas e colunistas sejam capazes de continuar produzindo teses, buscando a resposta do afastamento dos entes familiares e da incapacidade destes de ajudar os filhos e parentes drogados, quando eles destroem tudo o que resta dentro das suas casas, quando eles destroem, inclusive, os sonhos dos pais, quando eles são largados nas sarjetas, mendigando trocados, roubando ou traficando mais drogas para se manterem drogados.

Quem sabe, afastados da vida real, nossos cientistas consigam construir um mundo livre de todas estas tormentas? Talvez consigam melhorar as estatísticas dos casos heróicos de vitória sobre a adição, acrescentando mais respeito e admiração às suas próprias biografias, porque para a vida desses seres destroçados, do fundo do coração, não consigo ver a tal luz que “ilumina o que parecia uma noite definitiva” Também não prevejo portas de prisões abertas, porque a adição está na praça, está na escola, está na porta da igreja e os arrebatados já não se escondem mais, apenas se deixam ficar por aí, perambulantes, cambaleantes, e mortos-vivos mendicantes, parceiros fiéis dos seus algozes, traficantes que circulam impolutos, seguros e protegidos, quase sempre com a conivência e a ajuda do próprio Estado.

Luciana de Castro Magalhães

Bacharel em Ciências Contábeis, pedagoga, especialista em Auditoria e Análise Contábil, mestre em Educação, professora universitária e da Educação Infantil (SME).