quarta-feira, 7 de setembro de 2011
O meu xis da questão
domingo, 3 de julho de 2011
O MEU EU NOS OLHOS DO OUTRO
FIM DE TARDE
ALGUNS ABSURDOS
sábado, 2 de julho de 2011
Sou professora: vem comigo nessa des-a-ventura?
sexta-feira, 1 de julho de 2011
quinta-feira, 23 de junho de 2011
Amor de mãe em conversa com a Luciana (Um paralelo a “Conversa com Danuza”)
A quermesse, o padre pedagogo e o mingau na bolsa: um dia de cão
domingo, 12 de junho de 2011
Matar a morte?
“Matar a morte” foi o termo usado por uma pessoa querida para descrever a sensação de envolvimento pleno com a leitura do livro: A menina que roubava livros (Markus Zusak). Conversávamos sobre várias coisas e lembro-me de dizer que o desejo de morte era uma constante em meu pensamento, algo tão natural, e é um alento saber que ela está à espreita a todo instante; no entanto, sua tarefa também é um tanto árdua, ela também leva muito serviço para casa, esse “ser das trevas” tem muitas limitações em relação ao seu desempenho.
Quanto a mim, o meu embate eterno é com a velhice. Ela me atormenta a cada gota de tempo que escorre por entre os dedos, não consigo vencê-la sem resmungos, sem esse enfrentamento que faz doer corpo e alma. Todo dia um pouquinho. Um pouquinho mais de dor, uma dor generalizada que não se concentra em nenhum órgão físico, ela se espalha como um manto e toma-me por inteiro. Parece situar-se no perispírito, numa dimensão para fora do meu corpo. Um pouquinho mais de tristeza, de frustração, de amargura, de total ausência de vontade. Dói abrir os olhos pesados da noite insone, atormentada pelo medo e a solidão da existência, pisar no chão ao acordar pela manhã. Dói sentir frio, dói a fragilidade diante da compulsão pela comida - a eterna vontade de comer, a insaciedade - o pavor do próprio corpo no seu gigantismo, a enormidade feia.
A velhice faz tudo doer, um tudo que se alonga, numa dor perene, um caminhar em trilhos lentos de um trem cujo destino não tem mais importância. O medo assoma a cada movimento brusco ou diferente. O diferente dói, amedronta, apavora. Tudo parece um poço sem fim de fracassos, de incertezas, de projetos largados no caminho por pura falta de estímulo, vontade. Ausência de vida numa vida prolongada, eternamente longa.
Agora não se tem mais de criar o filho, ele se criou e o seu distanciamento também dói. Os medos se concentram naquilo que ele não pode ser, naquilo que não consegui convencê-lo a ser; os medos se misturam com a luz dos sóis que ele ainda verá nascer sem mim para dizer “não vá, não deves ir”. E eu sei que ele irá. Irá porque eu o perdi quando não soube dizer direito o que era certo e errado porque também eu não sabia direito. Eu o perdi para tudo que mais me causou medo na sua infância, para tudo que eu mais abominava quando o olhava pequeno em meu colo, e suplicava nas minhas orações, implorando ao sagrado que o protegesse, que não o deixasse chegar perto do mal.
Não tenho mais que prestar exame de seleção, não quero mais prestar exames de seleção e passar atestado de mediocridade; não quero mais dirigir e o carro novo me apavora: eu poderia? São tantos botões e a minha cor marrom que não combina.
Não tenho mais que ir a casamentos e batizados, restam-me visitas a hospitais e cemitérios. Até os velórios hoje são divertidos, as pessoas riem sem pressa, como se o tempo as pertencesse, poucas pessoas têm rugas, são donas do tempo e ele passou só para mim; não, ainda não passou, insiste em caminhar com vagar, passos lentos e pesados e meus olhos secos olham cheios de inveja para o defunto estendido. O meu caminho foi cheio de defuntos e todas as minhas lutas foram vãs.
Não tenho mais que cuidar da mãe doente, e não tenho mais colo de mãe, agora eu sou a mãe que fracassou. Talvez eu nunca tenha sido mãe.
Sobraram-me as noites velhas, de um frio pavoroso, sobraram-me noites sem estrelas, de caminhos inseguros, de um não dormir com medo de não ouvir o relógio despertar. Como se isso tivesse alguma importância.
A vida foi uma caminhada cheia de sapos que não viraram príncipes, troféus que não foram conquistados, espaços que não foram preenchidos, uma vida de dor. Hoje eu chorei mais do que devia, chorei por todas as mães que não conseguiram ser mães por inteiro, chorei por mim.
A cidade grande continua apertando meu pescoço, seu frenesi me fazendo encolher dentro da minha casca fétida. A alegria do outro me incomoda, a felicidade cara do mundo me enfurece pela sua deslealdade: por que a uns e não a todos? Sinto falta do Kesley Kisley e sofro por pensar que não o verei mais. Quem o teria levado? Ele precisava de mim e eu gostava dele, por que o levaram?
Domingos me enojam pelo rol infinito de obrigações, pela lista que não termina: colocar roupa na maquina, arrumar as gavetas, preparar as aulas, ler os periódicos, o jornal, visitar as redes sociais, esperar o telefone tocar. Ele tocou? Não, o telefone nunca toca. Domingo leva fatalmente a uma exposição que atormenta: tenho que ver o mundo em seu arco-íris reluzente: pessoas felizes, falantes, agitadas, e eu envolta, falando, cuspindo, babando, o medo me corroendo por dentro. Acabaram os comprimidos, não quero mais tarjas pretas, não quero mais fazer de conta que não dói, porque dói, dói muito.
No caminho de volta eu pensei nas minhas sensações ao ler “A peste” (Albert Camus) e Ensaio sobre a cegueira (José Saramago): as semelhanças trágicas de seus personagens e a minha presunçosa identificação com os desgraçados. Estou cansada de um tempo parado e frio, de um quarto assombrado feito sarcófago, de uma noite eternamente medonha, à espera de que algo trágico me arranque da letargia e me suspenda desse torpor. Sinto medo enquanto espero o filho que não chega, medo de que ele não chegue mais.
Goiânia, 12 de junho de 2011.
quarta-feira, 18 de maio de 2011
Eu acredito em anjos
Publicar postagem
sexta-feira, 22 de abril de 2011
Estresse da agendona do feriadão
domingo, 20 de março de 2011
J.R. GUZZO E UMA CONCEPÇÃO DE SOCIEDADE - SOBRE O QUE PERDOAR
O RIVOTRIL DA FERNANDA E A VIGÍLIA DO PONDÉ
domingo, 6 de fevereiro de 2011
POR QUE SOBRE AS PALAVRAS E AS COISAS?
segunda-feira, 28 de junho de 2010
SOBRE OS ENIGMAS DA ADIÇÃO (De Lya Luft)
Goiânia, 13 de junho de 2010.
Na semana passada me deparei com a coluna: Sobre os enigmas da adição. Ao final da leitura eu senti raiva, eu me senti insultada, eu me senti desprezada. Contudo, era Lya Luft, uma mestra das palavras, mesmo que sejam aquelas palavras desenhadas nos outdoors, sobre as quais ela nada conhece, por não ter sequer noção do que seja submersão no submundo, noção do que seja chafurdar na lama dos desgraçados viciados, das suas famílias destruídas, das suas chances perdidas.
A reação imediata foi uma carta-resposta para a revista veja: alguém teria que ler, teria que comentar, alguém teria que saber que senti tanta raiva. Bobagem! Eu fui me acalmando e usando o backspace nas palavras até que a página vazia não dissesse mais nada do meu ímpeto frenético. Apenas o título jazia lá no início da página, encimando uma raiva amainada. Primeiro porque o critério de seleção das cartas à revista veja me são desconhecidos; nunca consegui com que publicassem um dos meus comentários a qualquer matéria que fosse, depois porque o texto estava eivado da minha amargura, dos meus medos, dos meus fantasmas.
Contudo, hoje, a revista ali na minha cara, insistindo, voltei para o notebook e resgatei o título: precisava escrever qualquer coisa, fazer um registro.
Serena, com total domínio das minhas emoções quero comentar alguns pontos desse artigo: “Livros, seminários, teses e teorias em abundância são elaborados em cima da primeira pergunta: por que nos drogamos?” De repente eu me reporto a Durkheim na sua afirmação da necessidade de suspensão do sujeito, da necessidade de afastamento do objeto para que se possa produzir ciência: “A ciência só aparece quando o espírito, fazendo abstração de toda preocupação prática, aborda as coisas com o único fim de representá-las” reescrita num site de cultura sob a afirmação de que “...estudar os fatos unicamente para saber o que eles são implica uma dissociação entre teoria e prática, o que supõe uma mentalidade relativamente avançada, como no caso de se chegar a estabelecer leis relações necessárias, segundo a concepção de Montesquieu”. Ou na concepção do método cartesiano de produzir ciência, quem sabe, “Os estudos devem ter por finalidade dar ao espírito uma direção que lhe permita conduzir a julgamentos sólidos e verdadeiros sobre tudo que se lhe apresente” (DESCARTES, Règles. 1970: p.1)
Aí a minha reflexão se detém sobre a impossibilidade de seres humanos, de certa forma imortais na sua superioridade, com sua vida tranqüila em luxuosas casas com temperatura controlada, cercadas de segurança e erigidas sobre infra-estrutura de primeiro mundo, consigam mergulhar dentro das razões pelas quais nós, os mortais comuns nos drogamos. Antes que minhas palavras se resvalem por interpretações errôneas, que se esclareça que eu não me drogo, sinto apenas os arrepios do medo, os silvos ameaçadores dos monstros “drogadores” rondando, como se nos pudessem comer a carne e a alma. Frutos do capitalismo? Crias da crise religiosa no mundo inteiro? Ou motivadores para o nascimento de tantas novas seitas e religiões? Rebeldes desafiadores ante leis frouxas e coniventes com o crime?
Por que nos drogamos? De onde emergem as fraquezas que nos fazem sentir miseráveis a ponto de precisarmos “do barato”, “da zoação”, “do frenesi” instantâneo e do êxtase que as drogas proporcionam? Por que estar lúcido é tão sem graça, é tão frio e tão insignificante na sociedade moderna? Onde foram parar os valores que nos garantiam a dignidade da vida dos nossos pais na sequência das gerações? Eu cresci num mundo miserável e cheguei aos quarenta anos sem conhecer “um baseado”, sem a necessidade da viagem do ácido lisérgico. Fui totalmente careta.
Para Lya Luft “a razão de qualquer vício não está na superfície, não é visível muitas vezes mesmo para o mais dedicado terapeuta permanece um enigma, que nem o viciado entende”. Será mesmo algo tão misterioso assim?
Os meus questionamentos têm a simplicidade da minha formação: vivendo nos grandes centros urbanos, à mercê de políticos corruptos e sem políticas públicas mínimas de segurança, amontoados em míseros barracos, sem condições dignas de transporte e saneamento, ou seja, sem o atendimento sequer das necessidades básicas garantidas na Constituição, qual o caminho mais fácil para se livrar da frustração e da sensação de fracasso numa sociedade tão desigual? A própria sociedade se encarrega de criar o poder paralelo, os agentes da “economia do crime” para onde migram nossos filhos, onde nossas famílias são destroçadas e engolidas como por uma areia movediça, num caminho sem volta.
A chamada “adição” da Lya Luft se instala sem que tenhamos tempo ou instrumentos para contê-la. O Estatuto da Criança e do Adolescente dita as regras de como as crianças e os jovens devem ser tratados, protegidos e amados. Novo projeto de lei em andamento e ficará definida a “palmada educativa” como um crime a ser punido, sua denúncia incentivada.
Impotentes, numa covardia silenciosa, amordaçados pelo medo ante a possibilidade remota de diálogo, nós encontramos nas mochilas de nossos filhos os “tocos de baseado”, os “frascos de colírio” e, aterrorizados passamos horas organizando o pensamento para uma abordagem, uma conversa aberta com nossos filhos sobre os perigos da dependência química. Mas, antes disso nós os gestamos, batizamos, possibilitamos que freqüentassem boas escolas, tivessem acesso a informações sobre os malefícios da “adição”, chamamos a atenção para as campanhas veiculadas na mídia, compramos livros e oferecemos, incentivamos a prática de esportes e nos mantivemos atentos aos círculos de amizades, às saídas inevitáveis na adolescência. Sim, cuidamos disso.
E o que aconteceu dentro das escolas, dentro das catequeses, das quadras de esportes? O crime circulou por lá com ampla liberdade, os contra-agentes da paz no seio das famílias. Fomos tornando-nos ocos e nossos filhos, nossos irmãos caçulas, nossos sobrinhos e os jovens filhos de nossos amigos foram sendo tragados pela “adição permitida” por um Estado que recebe para administrar a sociedade.
No ritual familiar descrito por Lya Luft, é verdade sim, as pessoas se drogam, as pessoas bebem, as pessoas se medicam para suportar a dor de tantas perdas. E os filhos são frutos destas famílias destroçadas. Mas, somos treinados pela psicologia a fazer tudo certinho. Só não nos dizem o que fazer quando não podemos prender a corrente, trancar no quarto ou espancar, quando começamos a encontrar os resquícios da “adição”.
As inúmeras garrafas de uísque espalhadas pela casa denunciam o alcoolismo velado, e a esse ponto já se foi o amor pelos pais, o interesse pela construção de uma carreira, o desejo de constituição de uma família, com filhos, cachorro e casa.
Talvez faltasse à Lya uma reflexão mais profunda sobre as razões que levam as “mulheres de qualquer classe e idade com aquele típico olhar vazio da medicada” a precisar dos medicamentos. Talvez ela não compreenda que essas mulheres não ignorem os olhos injetados de seus filhos e nem o seu fracasso na escola; talvez a miséria dessa mãe seja a constatação de se saber vencida pelo monstro que arrebata seus filhos e nunca mais os devolve, mães que carregarão para sempre a dor do fracasso de não terem conseguido transmitir valores a seus filhos, porque uma sociedade podre e desgraçadamente corrupta preferiu entregar seus jovens aos traficantes. Mais barato? Mais cômodo, talvez, para o poder público justificar a continuidade do sistema que está posto: a sociedade dividida entre os bem sucedidos e os fracassados, os ideais neoliberais conduzidos pela mão invisível do mercado, mesmo que esse seja o mercado da droga, do álcool e do crack que joga aqueles que amamos na sarjeta e nos impinge essa cara de fracassados e incapazes de gestar, parir e cuidar.
Do fundo da minha impotência, eu espero mesmo, que cientistas e colunistas sejam capazes de continuar produzindo teses, buscando a resposta do afastamento dos entes familiares e da incapacidade destes de ajudar os filhos e parentes drogados, quando eles destroem tudo o que resta dentro das suas casas, quando eles destroem, inclusive, os sonhos dos pais, quando eles são largados nas sarjetas, mendigando trocados, roubando ou traficando mais drogas para se manterem drogados.
Quem sabe, afastados da vida real, nossos cientistas consigam construir um mundo livre de todas estas tormentas? Talvez consigam melhorar as estatísticas dos casos heróicos de vitória sobre a adição, acrescentando mais respeito e admiração às suas próprias biografias, porque para a vida desses seres destroçados, do fundo do coração, não consigo ver a tal luz que “ilumina o que parecia uma noite definitiva” Também não prevejo portas de prisões abertas, porque a adição está na praça, está na escola, está na porta da igreja e os arrebatados já não se escondem mais, apenas se deixam ficar por aí, perambulantes, cambaleantes, e mortos-vivos mendicantes, parceiros fiéis dos seus algozes, traficantes que circulam impolutos, seguros e protegidos, quase sempre com a conivência e a ajuda do próprio Estado.
Luciana de Castro Magalhães
Bacharel