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quinta-feira, 6 de maio de 2021

PANDEMIA, A MORTE E OUTRAS MAZELAS NOSSAS

 Nessa semana nosso país ficou doído, pela morte de Paulo Gustavo, e também, pelas mortes das professoras e das crianças na cidade de Saudade em Santa Catarina. Tempos difíceis estamos vivendo.

Esses dois episódios reportam a tantos fatos que precisam ser evidenciados, dada a profunda crise em que estamos mergulhados, crise que pode ser subdividida em crises: social, econômica, política, moral.

A morte de crianças e profissionais num ambiente educacional, retrata o quadro social brasileiro: o descaso com a educação, com a saúde e com a segurança da população. O atendimento, o acompanhamento e a assistência aos seres humanos em todas as suas dimensões. Onde está o poder público? Ah!, todos nós sabemos.

A morte de Paulo Gustavo é simbólica, representativa da morte de mais de quatrocentos mil brasileiros, acometidos por doenças causadas pelo novo coronavírus. Mortes que poderiam ser evitadas, se cuidados tivéssemos sidos por um governo “governante”, preparado, responsável e ciente dos seus deveres com a  “República” (coisa pública), no entanto, estamos desgovernados, roubados da nossa dignidade, pelos detentores do poder.

Mais de quatrocentos mil brasileiros mortos em pouco mais de um ano, mas para o presidente da república, são mortes apenas, são números apenas. Ele não pode fazer nada. Não tem cultura, não tem formação, não tem educação, é negacionista, grosseiro e estúpido. E o país afunda na mais grave crise sanitária da sua história.

Paulo Gustavo era jovem, uma história vitoriosa, no auge da sua produtividade, atuante. Fazia rir, levava alegria, sentimento tão escasso hoje em dia. Ele foi retirado dos seus, retirado de nós, como os demais quatrocentos mil brasileiros, que foram arrancados das suas histórias, das suas famílias, dos seus projetos. Seu humor, sua irreverência e sua vitalidade, em muito contribuíram com a humanidade. “Rir é um modo de resistência”. Sim, ele fazia rir, algo tão raro, nesse mundo de dor.

A mercê de políticos e empresários corruptos, sob o jugo de uma elite podre, seguimos enfrentando o turbilhão, na expectativa da vacina, à mercê da guerra política e econômica travada por agentes sociais inescrupulosos, que se valem da miséria humana em prol de interesses individuais espúrios. Alavancar a educação, investir na formação de sujeitos conscientes, cidadãos investidos de dignidade, não interessa ao sistema engendrado por essa coisa podre e fétida.

Que nossas vozes não se calem, que a nossa esperança não venha a sucumbir nos túmulos dos mais de quatrocentos mil óbitos, provocados pelo descaso, pelo abandono cívico das quadrilhas de empresários e políticos corruptos, aninhados nos cofres públicos. Que a resistência de Paulo Gustavo, resista em todos nós.

Luciana de Castro Magalhães. 

Maio/2021


terça-feira, 29 de março de 2016

SOBRE O LUTO E OUTRAS DORES

Um momento de extrema dor é aquele em que se pare o filho humano gestado em nove meses. Defende-se ser a maior dor no universo das dores. Outras tantas argumentações, algumas bem pouco poéticas, dão conta da relevância da maternidade.
A dor, no entanto, do filho cuja vida é retirada antes da mãe, incontestavelmente é uma dor que não se descreve. Tento passear agora pelos caminhos de cujas mães os filhotes foram arrancados. Não quero fazer esse percurso.
Mas, existem tantos outros lutos em relação aos nossos filhos, existem tantas formas de perdê-los, que muitas vezes, a dor é de uma dimensão tal  que se materializa indelével. Há que se considerar que a morte física não daria conta de traduzir essas dores. É como acordar e levantar todos os dias para um velório eterno. Desse luto o tempo não facilita a administração, essa solidão não tem nenhum antídoto, a sensação de abandono e desencanto não pode ser amenizada pelas pílulas mágicas das também miraculosas soluções que nos são apresentadas.
A luta constante é pela busca de uma explicação que não existe, ou que, mesmo existindo, não alcançaria o peito rasgado, o coração sangrando. Arrancar a uma mãe um filho não tem equivalência nesse caminhar arrastado de uma existência sem objetivos, sem metas, sem sentido algum. A caminhada revela apenas o dever ético da preservação da vida, revela os medos, mas nunca uma razão que justifique estar onde todos estão.
A alegria do entorno é enfadonha, muitas vezes dolorosa, incômoda. O esforço para manter-se no controle da vida é algo desumano. O grito silencioso de desespero enseja apenas o dirito de perder o medo, de cessar o fluxo da ausência de sentido para  prosseguir.

domingo, 12 de maio de 2013

CRACK: A DROGA QUE DESUMANIZA E O ESTADO QUE IGNORA


No Brasil de contrastes inomináveis, hoje grassa a desgraça do “crack” nas grandes cidades, e  a TV alardeia a debandada dos animais humanos pela Avenida Brasil no Rio de Janeiro.  Destaques também para as cracolândias da cidade de São Paulo.  As duas metrópoles estão na mira da imprensa, no entanto, a epidemia se alastra pelo interior do país, deixando de ser uma ferida corrosiva dos grandes centros urbanos.
Nas vias de trânsito intenso, os animais humanos, desumanizados, correm em bandos e são atropelados por veículos de luxo ou esmagados por caminhões de lixo. Em suas fugas desesperadas são engolidos por caixotes coletivos que transportam outros amontoados de seus congêneres.  Os olhos  esbugalhados saltam em busca do momento último, do fechamento das cortinas do espetáculo abjeto.
Num processo de higienização criam-se medidas e aprovam projetos de recolhimento compulsório para tratamento. Os resultados são pífios e controversos, veneno de uma sociedade doente.  Mobilizam pensadores, religiosos e, às vezes, alguns políticos, esses últimos,  mais preocupados com o Deputado Marco Feliciano e a repercussão de seus arroubos homofóbicos na contradição da liberdade de expressão e imprensa. 
Na onda da higienização crescem as milícias de extermínio dos “animais humanos desumanizados”, paridos por uma sociedade injusta e desigual, que concentra suas riquezas nas mãos de um punhado de capitalistas que se tornam, a cada dia, mais vorazes, em busca da multiplicação das suas riquezas, mesmo que à custa de sangue e carne de miseráveis que perambulam, agonizando,  por um mundo estranho, de condomínios fechados;   protegidos das desgraças por eles mesmos engendradas.
Policiais eliminam a tiros, nas madrugadas fétidas das áreas urbanas, cabeças de gado humano, bichos indesejados, descontrolados e dominados pelo vício de uma droga que assolou a América do Norte alguns anos antes de chegar aqui.  Seria possível ter trabalhado preventivamente, atuado na educação, em programas de saúde e campanhas de alerta????  Sim, se isso interessasse ao sistema político e econômico, se isso fosse conveniente a uma elite cega e faminta de sangue humano, sangue de humanos sem cérebro.
O câncer da droga precisa ser extirpado, o sistema público de segurança não funciona, então, o poder paralelo assume o controle. A droga se transforma em tema de debate, de estudos científicos, de discursos políticos e, sobretudo, uma arma para policiais e políticos corruptos, que se associam a traficantes, matam, assaltam, apavoram a população,  em busca de lucro e do poder;  criam empresas de desintoxicação e, num cenário de dolorosa ironia, vendem a droga aos internos.
Do outro lado do mundo, muito recentemente, assumiu o Vaticano,  “o papa dos pobres”: uma esperança? 
A roda do mundo gira giramundo, e nesse choro sentido morreu, também recentemente, o “Chorão”, um ídolo que pregava o amor à família, defendia a saúde e a paz; foi abatido pela dependência química, engolido pelo vergonhoso redemoinho do descaso público. Levou consigo sua criatividade, sua poesia e música, deixando mais pobre a juventude, carente de ídolos e heróis  equilibrados, “que não morram de overdose”.
Uma Comissão de Direitos Humanos está instalada em Goiânia.  Definem as mortes de trinta moradores de rua como uma ação organizada por milícias. A Polícia Civil insiste em afirmar que são casos isolados, que drogados acertam contas entre si.  Isso é menos ruim que assumirmos  uma gangue de extermínio, admitirmos um Estado falho, incapaz de prover segurança  e os direitos mínimos de seus cidadãos. Cidadãos?  Seria possível discutir cidadania? Ou o sistema funcionaria melhor com a construção de mais condomínios fechados e “torres de marfim”? 
Sim, queremos as ruas limpas, queremos estar seguros, garantir  a segurança física de nossas famílias e nossas propriedades. E essa ferida aberta se espalha como erva daninha, alastra-se pelas ruas, provoca desconforto e desperta nossas culpas. Será? Seríamos capazes de nos inquietar para além dos nossos medos?
Episódios isolados evidenciam uma briga, uma guerra urbana de nervos entre um motorista de transporte coletivo e um passageiro no Rio, e o ônibus despenda no viaduto, o desequilíbrio  ceifa vidas inocentes. Mortos, pânico e mais mortos.  Uma babá enraivecida  mata uma criança de seis anos para atingir a mãe que odeia. Um pai irado arrasta para a arena duas filhas menores,  e uma delas é gravemente ferida  tentando defendê-lo: uma bala de revólver. Aí eu me perco e  vomito a minha cólera. Estaríamos movidos a ódio e dor? Estaríamos perdidos, andando a esmo, sem a menor noção de amor à vida?
Não consigo entender, assimilar os julgamentos dos irracionais. Goleiro Bruno, sucesso e morte, massacre do Carandirú, prepotência e morte. Raivosos, brutos; perdemo-nos?
Dias após a posse de Nicolás Maduro, a raiva uiva nas ruas da Venezuela: a morte venceu as eleições.  Incomoda a quem?  A tragédia de Boston evidencia a raiva do mundo, as gritantes diferenças do mundo, guerras religiosas vencem Direitos Humanos e alimentam rancores ancorados numa lógica perversa, que precisa enfraquecer, dizimar energias para sugar massas agradecidas pelo pão da sobrevivência,  que garante e azeita o funcionamento da mesma máquina que suga.
O  monstro, às vezes imperceptível,  continua vivo e agora caminha com fúria sobre os mortos-vivos que já não suplicam pelo pão:  matam e morrem pelo lixo químico, pela droga que lhes mina o cérebro e rouba o direito de “ser”, de estar no mundo de forma digna. Até quando o Estado se calará diante do avanço do crack?
A droga maldita ameaça nossas famílias, ronda nossos filhos e, nem sempre silenciosa, mas sempre à espreita, afoita,  aguarda o momento de atacar. Nós, curvamo-nos, subimos o vidro do carro e amedrontados, num misto de culpa e conforto, encolhemo-nos dentro de nossa impotência ante um sistema político e econômico que nos despreza. Olhamos perplexos, da janela que possibilita um estado de “suspensão”, como se fosse possível não estar no mundo do crack, se ele nos assola como um vendaval. Até quando seremos coniventes, tolerantes e indiferentes a essa dor? 

ENCANTOS E DESENCANTOS DA PAIXÃO: FICÇÃO E REALIDADE.


Às vezes parece facílimo definir uma sensação de frustração. Ledo engano. A vida pode se arrastar como uma  sucessão infinda de insatisfações e decisões erradas. Erradas? Quais seriam as certas?
Alimentar sonhos e esperanças é uma característica humana e óbvia. Quando esse mecanismo falha,  instalam-se as patologias: neuroses, depressão, pânico, fobias e uma interminável lista de denominações criadas pelos psicologistas da modernidade urbana.
Na verdade alimentamos nosso ciclo de vida com naturalidade e quando questionamos muito, quando queremos muito, quando avançamos muito, para além daquilo que a natureza coloca, sentimos dor; nosso organismo dispara os hormônios necessários à preservação da espécie: mecanismos de defesa?
Enfim, tudo está no seu lugar. Nossos hormônios em ebulição ditam o curso natural da reprodução, mas insistimos em criar em torno disso uma aura cheia de mistérios, especial, luminosa. E foi o processo civilizatório que fez isso.  Antes de amarmos nos apaixonamos, buscamos a satisfação das nossas necessidades básicas, o desejo é saciado ante uma criteriosa escolha.  Então amamos.  Aos pouquinhos o desejo vai  esvanecendo,  a paixão vai sucumbindo sufocada pelas urgências, pelos compromissos, pelo trânsito e os atrasos;  as palavras ditas vão ganhando tons ásperos, as portas vão se fechando por dentro e se abrindo para fora.
Expostas nossas fragilidades reduzem-se as delicadezas, tornamo-nos rudes e começamos a sofrer. É quando colocamos no outro a culpa pelo que não deu certo, inclusive pelo tempo precioso que perdemos na relação equivocada. No entanto, os desejos, as paixões e os sonhos são imperiosos e se renovam na alma,  indiferentes ao corpo que perece, à carcaça frágil que desmorona ante o tempo implacável.
Foi assistindo ao filme “O despertar de uma paixão” que me dei conta do quanto projetamos no outro as nossas expectativas, nossos anseios de felicidade plena. Se o outro não atende nossas expectativas amaldiçoamos o mundo e os sapos que não se transformam em príncipes, lamentamos o desempenho dos príncipes medíocres e questionamos, enfim, nossa capacidade de merecer o príncipe, as rosas, os encantamentos e o belo.
Difícil compreender a finitude dos sentimentos, a subjetividade, o jeito de ser de cada príncipe e de cada sapo; difícil colocar-se como gata borralheira, como princesa ou até mesmo como mortal comum quando o que se queria mesmo era eternizar a chama, o amor ardente, as palavras bonitas e os gestos delicados. Na verdade desejamos esse príncipe, o nosso príncipe, aquele que escolhemos e pelo qual sofremos ante a constatação de que ele não cabe na nossa forma, não preenche nossos requisitos, seu cavalo não é branco e ele não nos envia rosas. Choramos, lamentamos a indiferença do nosso príncipe aos nossos sonhos e projetos.
Se considerarmos os agentes externos, as intercorrências, as adversidades e convenções tudo fica ainda pior. Chorei cântaros ao assistir “O diário de uma paixão (O caderno de Noah)”. De repente nunca sei quando foi que perdi meu príncipe, se ele foi sempre um sapo ou, se em algum momento cheguei a ser sua princesa.
Quando se assiste “A casa do lago” pode-se incorporar Kate sem nenhuma reflexão sobre crenças e valores. Quando o fazemos mergulhamos num lago de emoções e amores tão doces e envolventes que fariam inveja até mesmo às borralheiras dos contos de fadas.  Seriam o tédio ou as decepções a nos provocar tantas melancolias?
Mas, a profunda solidão que abateu Allie não seria um sentimento para mulheres destemidas e exigidas. Aqui nós mulheres incorporamos Noah, a quem a vida negou a realização do grande e encantado amor; encantado porque não tornado real, não concretizado sob o jugo doloroso das regras sociais e dos valores morais.
Quantas formas de amor seriam possíveis durante uma única vida e quantos deles seriam eternos? Todos? A psicanálise de Freud encontraria nas pulsões e nas neuroses latentes uma voz ou um grito que amenizasse nossas dores ante tantas perdas? Por quanto tempo seria eterno o infinito amor de Noah e Allie na concepção de Vinícius de Morais?
A arte proporciona aos humanos alguns instantes de êxtase. Choramos diante do espetáculo; os finais felizes nos comovem, esperamos e torcemos por nossos heróis, enquanto minguamos  ou contentamo-nos com as migalhas que recebemos sem inventariarmos as migalhas que oferecemos, a sede que provocamos naqueles que somam suas vidas às nossas e vão se subtraindo ante nosso descaso, ante nossas minguadas e tristes oferendas de afeto.  Na verdade bebem do fel da nossa amargura ou  peregrinam sob nossos anseios e insatisfações sem trégua.
Quando o fotógrafo da National Geographic,  Robert (Clint Eastwood),  chega para fotografar as famosas pontes  de Madison,  do Estado de Iowa (EUA), encontra uma mulher “bem-casada” absorta por uma rotina doméstica devastadora, daquelas que requerem suportes espirituais para serem atravessadas, tão grande e asfixiante a sensação de inutilidade e  frustrações. Uma vida adequada conforme os padrões sociais do capitalismo moderno, uma situação confortável. Confortável? Haveria alguém capaz de engalfinhar-se por dentro daquela alma feminina e arrancar de lá todos os anseios, desejos e recalques?  Francesca sequer se dava conta dos vulcões adormecidos dentro de seu próprio corpo, até que Robert – o príncipe de algumas horas – os desperta e devolve-lhe os sonhos entorpecidos, goles de ilusão que amargarão como fel dentro de muito pouco tempo.
A espera desesperada pelo beijo, o desejo que faz fremir todo o corpo, o estímulo para a escolha de uma lingerie nova, o turbilhão de sensações que irrompem dentro do corpo e assaltam a alma até então em zelosa vigília; a porta não estava aberta. Por que nossos príncipes nos deixam vazias? Por que ficamos à mercê dos encantos dos fotógrafos charmosos o morrendo em conta-gotas enquanto nos lêem nossas patéticas anotações, como se elas pudessem nos restituir a vida que não nos permitiram viver?
Uma vida inteira se constrói diante de espelhos cruzados, imagens distorcidas, e ao final o espírito alquebrado, relutante  sob os escombros de um corpo aviltado, imolado pelo tempo.  Escreve-se uma “Carta para Julieta” e a arte se projeta reluzente, nos arrebata para o centro dos nossos mais desvairados sonhos projetados na peregrinação de Claire Smith por Verona na Itália, em busca do verdadeiro amor. Todos os contos de fadas, todos os caprichos da arte conspiraram para o final feliz daquela história real.  Mas, desligada a tela da TV, fechados os livros de romance, tiramos o carro dos estacionamentos dos cinemas e fazemos nossos enfrentamentos, abrimos nossos baús e, às vezes, choramos ou sorrimos diante da nossa capacidade de sublimar todos os sentimentos mal resolvidos.
E a dor maior é que tentamos, insistimos, gostaríamos que a química ainda funcionasse, que todos os beijos fossem como o primeiro, que o desejo do corpo de se achegar ao outro fosse, ainda hoje, aquele do primeiro momento de aproximação física. No entanto, tudo vai murchando como a chama de uma vela que se exaure devagar e silenciosamente, como uma rosa cujo perfume vai se tornando enjoativo à medida que as pétalas caem, uma a uma sobre o chão desorganizado do jardim fúnebre,  esquecido de cuidados.
Por que acontece assim a despeito da nossa vontade, mesmo que tenhamos jurado amor eterno? Por que não se perpetuam nossos melhores sentimentos? Por que nosso amado se afasta, ou, por que nos afastamos quando tudo o que queríamos era ficar? Por que nos emocionamos diante da tela do cinema com a leitura do Caderno de Noah e explodimo-nos furiosas, expostas ao colapso da leitura real dos nossos contratos?
O tempo. Ei-lo; tirano, ameaçador e impiedoso. Mata a libido, desorganiza os hormônios e nos torna inseguras, exageradamente sensíveis, mas não nos leva os sonhos, não nos retira as esperanças na mesma proporção. “Tempo, tempo, tempo”; tão linear e pleno na arte e implacável na pele, nas vísceras, jamais possibilitará uma revanche, um duelo em que possa vencer a harmonia e a plenitude  entre corpo e a alma.
Considerando tempos e amores e filmes, nós, mortais comuns mantemo-nos condenadas a amargar nossas frustrações, continuar a busca incessante do sossego do espírito, ignorantes  que somos da “sublimação dos amores”, das “metáforas do amor”, ”amores de transferência” e da “pulsão de morte”.  A cada vez que o sol se põe,  alegres ou tristes buscamos um príncipe, um afago, uma palavra de carinho que dispensa as teorias psicanalíticas, uma vez que nem  Freud, Lacan ou Kant,  conseguiriam mesmo transformar em príncipes nossos sapos e nenhuma fada nos arrancaria da fatalidade de borralheiras para o mundo encantado das princesas.    

sexta-feira, 9 de novembro de 2012

CHUVA, ESGOTO E TEATRO



Receitas de remédios, hoje, quando encontradas na bolsa servem como papel-rascunho, substituem bloco de anotações; virou rotina.
A tal bolsa está sempre abarrotada e insisto em encontrar uma que se organize sozinha; nunca encontro nada que preciso.
Está chovendo de novo, isto se tornou comum nos finais de tarde por aqui; as águas lavam as ruas podres e fétidas da imundície infinda produzida pelo ser humano e pelos não-humanos.  À medida que se arrasta o lixo os restos se dirigem aos ribeirões aqui por perto e a fetidão tomará conta de tudo ao redor  quando,  amanhã, o sol escaldante pousar seu calor sobre a terra umedecida ainda de cara lavada ou, como quiserem, de asfalto levado, que aqui é a cidade grande.
As brechas-frestas-fendas dos ribeirões, córregos de esgoto em “tratamento” cortam a cidade traçando uma chaga que não permite a ricos e pobres esquecer que se apodrece do mesmo jeito e em qualquer classe social, ou como prefere Bourdieur , em qualquer “espaço social”. Logo ali, onde as autoridades instalaram uma simpática praça de lazer, o odor exala das entranhas do córrego invadido. E a chuva, agora acompanhada de ventos uivantes, cai com uma intensidade enervante. Como será/seria viver  num lugar onde chove a cântaros o dia inteiro? Os ossos doeriam? Ver-se-Iam borboletas sob algum raio fulgente de sol? Haveria sol?
Aqui continua chovendo e continuo esperando, há quase uma hora, para falar com um professor que ensina teatro. Isso é ensinável? Faria algum sentido? Afinal, o que estou mesmo fazendo aqui? Esperando a chuva passar ou esperando o professor de teatro?


Luciana de Castro Magalhães
Março/2012

ELEGÂNCIA, LUXO E LIXO

Comércios elegantes,
deseducados,
vendem cara educação.
Senhores deselegantes
descartam homens-bicho
em carrinhos de mão.
Pregam lucro comedido
Recolhimento de impostos
e controle de poluição.
Coleta seletiva de lixo
Créditos de carbono,
reflorestamento,
justa distribuição de renda
e bolsas de estudo aos miseráveis,
aos homens do lixo.
Aos infratores severa punição
Multas? A dignidade?
O tempo roubado no consultório?
Usam ternos bem cortados.
Italianos.
Já não usam cuspe e giz.
Vendedores ambulantes,
prostitutas encardidas,
Lojas Daslu: luxo e lixo.
Festas megalomaníacas,
jogadores de futebol, modelos
e burgueses.
Herdeiros.
A vida à venda na sarjeta e
o olhar pródigo,
o algoz do outro lado da janela,
sem perdão.

Goiânia, 15 de janeiro de 2012
Luciana de Castro Magalhães. 

domingo, 5 de agosto de 2012


"Quando os ricos fazem a guerra são sempre os pobres que morrem" (Jean Paul Sartre).

quarta-feira, 25 de julho de 2012

HIATO


Um bálsamo o coro da passarada a chilrear.
A manhã impõe-se sobre o relevo esbranquiçado
Abrindo com ferro e fogo incandescente
As cortinas que cobrem o mundo de cinza.
Descerrando-se no horizonte sobre mundos
Que principiam úmidos e  orvalhados
O sol triunfa com um pouso leve.
Mas o cinza, o cinza insistente e frio
Encerra-se com a solidão a portas fechadas.
E vence a escuridão,  onipresente,  onipotente e  onisciente,
de eternas noites que se arrastam geladas.
O sol irrompe e retinta outra aurora
E esta agora,  brancas mãos e dedos aflitos
de mais um mundo, um novo ventre que
não o de ontem, sangue, tinta e o grito.
O movimento circular, o tempo, o medo.
Da boca ávida o gole longo, a vida breve.
O viajante extenuado.
Mais uma aurora irradia indescritível espetáculo,
Outra e mais outra e tantas outras auroras
e  tantos outros sóis insistirão.
Mas, as pesadas cortinas estarão lá, sempre.
A escuridão,  onipresente,  onipotente e  onisciente.

Luciana de Castro Magalhães.
Go.28/06/2012.

"Quem é feliz, precisa pois de amigos". (Aristóteles). 

LEVEZA


Notas longínquas de um piano afinado.
Num caminho sem pedras ou espinhos
uma música suave, sob sombras.
Passagem leve ao último e definitivo leito.
Lençóis macios e perfumados,  
de branco linho,
Depois de sangue, fogo e ferida,
Na boca o último cálice de vinho.
A música se ouviu como a água
Que passa altiva, uma única vez no mesmo rio.

Luciana de Castro Magalhães.
Go. 03/07/2012

domingo, 22 de julho de 2012

UM LUGAR PARA IR


Hoje eu queria ter um lugar para ir
Um ninho.
Uma roda de intelectuais ou
de mendigos.
Queria poder chorar toda essa dor,
a impotência.
Depois rir e tomar um cálice de aguardente.
Foi apenas a prova de Inglês e eu não fui bem.
Hoje eu queria um lugar para ir
para chorar de fome e frio
dividir sopa e pão com mendigos,
a rua.
Tomar vinho doce e pobre, comer queijo velho
 com velhos ratos,
Tomar vinho nobre e comer queijos raros,
ratos novos, mesa farta.
Gente farta, hipócrita gente.
Gente que cansa em reuniões que estafam.
Eu só queria ter um lugar para ir
Queria conseguir vomitar o que  já
engoli do leão que matei hoje,
porque hoje, ainda hoje, falta muito por engolir.
Eu queria um lugar para ir
Prá secar esta lágrima
Dizer desta dor, desta raiva
Comer os dentes do leão que matei hoje.
Mas, hoje, ao que parece, resta-me reler
Fernando Pessoa e seu Poema em Linha Reta,
que prá prá onde ir não tenho. 

domingo, 24 de junho de 2012

O Intangível da Miriam Leitão e a Memória de Manuel Bandeira


Esse espaço - o blog - me dá prerrogativas que eu não teria não fosse o avanço tecnológico, tantas as mudanças pelas quais o mundo passou desde o advento da máquina a vapor. Hoje acordei pensando no quanto a elite gostaria de riscar da história,  algumas etapas desse avanço tecnológico. É que, inevitavelmente, a tecnologia expõe o que eles têm de pior: o egoísmo. São obrigados a admitir que comem o que existe de melhor, enquanto 90% da humanidade passa fome, são obrigados a admitir que destroem a natureza - entenda-se aqui o Planeta inteiro - para satisfazerem seus caprichos, enquanto esses 90% de miseráveis, de sub-humanos estão tendo aulas de reciclagem, estão tendo a oportunidade de se educarem para um mundo melhor, para o crescimento sustentável, para exercerem a cidadania verde, serem ecologicamente responsáveis, ou seja, comerem o resto dos 10% ricos, viverem do lixo dos que exploram o capital e sem fartam da destruição do planeta. Isso é Rio+20, isto é Educação Ambiental, é parar agora nas Escolas Brasileiras e mundiais de Economia e ensinar os pobres a fazer as contas com o que se gastou com o mais badalado evento dos últimos tempos, em prol de um mundo melhor para nossos filhos e netos. Sejamos otimistas, como disse Miriam Leitão na Coluna do Jornal O Popular deste domingo.

Sejamos justos, concordo com ela, pois, desarmada, venho aprendendo muito com sua literatura nos últimos tempos, vários cientistas já haviam cimentado esse caminhado ao longo desses últimos vinte anos. Na verdade, talvez tivessem podido economizar um bocado de milhões de dólares jogados no ralo na Rio+20. Mas, sobre o texto dela, a crítica que quero fazer, a despeito das suas viagens pelo Mato Grosso, pelo Amazonas e outros Estados, é que, embora ela tenha constatado uma série de boas práticas e outras tantas agressões ao meio ambiente, hoje ela deixou de lado algo fatalmente muito relevante quando se trata do foco da Rio+20: o fator humano.

E é apenas por isto que, no mesmo Jornal O Popular, acabei traçando um paralelo quando li Memória de Manuel Bandeira, um texto do psicanalista Roberto Mello que aborda com tamanha sabedoria os exageros, as apologias e a falácia em torno da salvação do planeta e da natureza enquanto esquecem os humanos famintos caídos à beira dos abismos, das valas e dos esgotos das cidades grandes, onde os mesmos jornalistas, cientistas e celebridades se atropelam, se afastam ou se acercam de batalhões de homens armados para não caírem sobre os "sujos-pedintes-prostitutas-drogados-bêbados-famintos-violentos-morimbundos" ou não se tornarem suas presas. A beleza e a arte construída e emoldurada em torno da Rio+20 ignora a realidade de que é construída o mundo real, ignora as ruas por onde circulam os carros blindados que guardam as celebridades que cuidam das grandes conferências. E é por isso que eu gostaria de convidar Miriam Leitão e tantos outros a uma releitura do poema de Manuel Bandeira que, coincidentemente, sempre trabalhei com meus alunos, sempre utilizei em dinâmicas de grupo, sempre reli em momentos de necessária reflexão sobre "pensar no/com o outro. Trata-se do poema O Bicho, que conforme muito bem colocou o psicanalista Roberto de Mello, Manuel Bandeira "publicou em 1947 contra esse papo furado de reciclagem -sustentabilidade-economia verde:



O Bicho

"Vi ontem um bicho

Na imundície do pátio

Catando comida entre os detritos.

Quando encontrava alguma coisa,

Não examinava nem cheirava:

Engolia com voracidade.

O bicho não era um cão,

Não era um gato,

Não era um rato.

O bicho, meu Deus, era um homem."



O que hoje estou sentindo é que, de fato, tudo parece intangível. As crianças que compareceram à Rio+20, de longe representam as crianças que precisam de atenção, de oportunidades iguais de educação, alimentação e esporte. Muito exibicionismo, muito desfile de moda, muita celebridade, muito jogo de poder e, com certeza, a próxima semana volta com o sabor amargo da CPMI do Carlinhos Cachoeira agora mais adocicado, porque propositadamente mais atenuado pelo espetáculo da Rio+20 que deixa a miséria e a pobreza num compasso de mais 20 anos de espera para assistir a mais um espetáculo.

Profa. Ma. Luciana de Castro Magalhães.

www.vermelhoecinzamulticultura.blogspot.com.br

Palavras e Acessórios


Queria que a palavra se tornasse desnecessária

que fossem inúteis os acessórios

que as palavras fossem acessórias

que palavras e acessórios fossem apenas horas vazias.

Que nesse mundo cão e sem luz,  a lua

não fizesse apenas uma visita

mas  fosse a  luz de  uma noite eterna.

E as  noites eternas não fossem indesejadas,

mas tão sonhadas quanto mais iluminadas fossem.

Que corujas cinzas não bicassem suas próprias penas,

Mas que trouxessem em seu pio presságios maviosos

E navios de mundos longínquos aqui aportassem

com águas e sais que perfumassem dores e amores.

Que o som do universo se resumisse ao pio do graúna,

e acessórias fossem a luz e a noite quando, encantadas,

encerrassem a vida que me consome em dor escura.

Penso e sinto que Quando o escuro proporciona a calma,

sem dor e sem visitas indesejadas, sem aplausos,

sem acessórios e sem luz, todas as portas se fecham.

Queria que o chão abrisse em escuro, sem palavras

sem acessórios, sem necessidades.

Sem o relógio tão esperado, sem TV de plasma,

sem escapulário de ouro e esteira eletrônica.

Queria que o coração se fechasse e nunca pedisse visitas

que as lágrimas se secassem sem dor sobre a face.

Queria, enfim a sua paz, a sua calma.

Seu manto sagrado a me acolher e me elevar.

Um vento suave de se  poder sentir atrás de seus passos.

Não quero  aplausos, não quero assombros, a dor irá passar, eu sei.

Imagino que seu manto seja  quente. Estou cansada!!!!!

domingo, 17 de junho de 2012

Existem pessoas iguais a mim.

Existem pessoas iguais a mim, é lamentável (?), mas existem pessoas iguais a mim.  Pessoas que quando me ouvem reagem aos absurdos com mais absurdos cuspindo raiva e impropérios, vociferando aos quatro ventos,  fazendo com que eu me sinta um pouco normal, definindo parâmetros. Quando muita cansada recuo, se me resta ainda um tiquinho só de energia volto à tona com ira renovada.  Pouquíssimas vezes refleti sobre isso, hoje mais detidamente. Talvez porque apenas hoje esteja vivendo o que chamam carinhosamente de "climatério". A sociedade moderna usa mais eufemismos do que devia, em ocasiões desnecessárias abusa de gentilezas camufladas de sabotagens à alma alheia. Na verdade envelheci, esse é o termo adequado.
Estou rabugenta, intolerante e mais insuportável, uma vez que nunca tenha sido um exemplo de docilidade. Envelheci e envelhecer dói. Vai explicar isto para o cirurgião dentista que está cuidando da parte cirúrgica dos implantes de  uns poucos dentes em minha boca "já prá depois do meio-dia"; o cara fica bravo, atravessado e falta pouco sugerir que eu arranque as próteses e lhe devolva. Provavelmente espera que eu caia de joelhos e me desculpe, mas minha ira está ali, latente, enjaulada, civilizadamente enjaulada,  organizando a resposta catedrática e eu saio soberana, altiva: gentileza gera gentileza. Na verdade saí do consultório cuspindo fogo, mas em cima do salto.
Que vontade de voltar e segurar seu colarinho, olhar para sua cara carrancuda e dizer: se você não gosta de plantar dentes em bocas envelhecidas, que vá operar a Bolsa de Valores em Nova York, vá ser piloto de Fórmula 1, isso não é problema meu. Mas... Que nada! Sejamos civilizados e contenhamo-nos. Um pouquinho de Durkheim e sua solidariedade social.  Deixa o cara remoer sua ira e eu que remoa a minha.
O indivíduo é raivoso, não gosta do que faz, ou, talvez goste só um pouquinho, ou,  talvez goste só de um pedacinho de tudo o que faz, ou, talvez eu tenha entendido tudo errado, o que é mais provável, sei lá; o que conta é que aquele dentista hoje me fez perceber que, felizmente, existem pessoas assim, iguais a mim: enraivecidas, bravas, iradas, nem sempre disponíveis à necessária hipocrisia para a vida em sociedade. Existem pessoas iguais a mim: humor ácido, dose inadequada de dopamina no organismo, mas humanos, buscando seu lugar ao sol.
Sorte a minha que pessoas como a K., com quem trabalho todos os dias,  estão por todo o lado;  puro sol e luz, riso e leveza. Ouvindo-me dizer que aos cinquenta anos não se é bonito ou feio, apenas se é velho;  K. contesta:  "Que nada, toda idade tem uma beleza própria". E o engraçado é que ela diz isso e vai embora, não lhe custa nada, não tem um preço, não olha para trás, não está argumentando e nem travando uma batalha, apenas pensa assim.
Suas frases são naturais, nenhuma construção arquitetônica prévia para impressionar ninguém. Quando estamos ali, no chão de fábrica - minhas costas ardendo -  ela transita com serenidade, fala pouco e quando o faz é sem exageros. Sua sabedoria de menina e a tranquilidade pouco comum na juventude me fazem repensar o meu amargor, que tem o peso da minha estatura física, quase um elefante arrastando "pes de chumbo" . Mas a presença da K. me dá conforto, não tenho vontade de me esconder dela.
Sorte a minha que existem pessoas como minha sogra, que aos "setenta e tantos", brava, toda enfezada, ainda reza e tem tolerância suficiente para me amar e cuidar de mim, para não me deixar sem mãe, para não deixar meu filho sem avó. Hoje eu acordei assim, muito nostálgica, muito down. Saudades do Ademir, do Negrinho, do Dir, lembranças tristes,  aposentadoria, corticoide, 80kg na balança. Algo mais? Ah, fui ao cirurgião dentista. 

domingo, 13 de maio de 2012

Revista Veja edição 2266 ano 45 nº 17, 25 de abril de 2012

A falta que um Francis faz divulga o livro Diário da Corte. Senti saudades, de fato, do humor ácido de Paulo Francis, das suas verdades beligerantes, muito mais por identificação do que qualquer outra coisa. Os exageros do colunista remetem ao próprio Francis e tudo que lhe diga respeito. A "exumação parcial de sua obra escrita" será com certeza uma grande contribuição ao jornalismo moderno, embora ainda ache que os jovens acadêmicos e futuros jornalistas passariam muito bem sem ele. No entanto, considerando-se a quantidade de lixo produzida pelo jornalismo atual...
Os "quinze anos de esquecimento" a que são condenadas as figuras brilhantes são o reflexo de mecanismos de defesa desenvolvidos pelos brasileiros. Categorizar tamanho brilhantismo soa ridículo num país de corruptos, ladrões e criminosos da elite, fincados no topo da pirâmide social à custa de extorsão da coisa pública ou exploração de miseráveis. Confortavelmente instalados em palácios blindados,  não se intimidam, não se  sentem constrangidos;  continuam buscando o reconhecimento e o brilhantismo, pregando o conservadorismo e a tradição.
Que país é esse? O país que, no ranking dos emergentes e em pleno desenvolvimento, cria bolsões de miséria para exibição e deleite dos grandes senhores do capital. Elegantes em seus colarinhos brancos, protegidos em suas "Torres de Marfim" alcunham termos sofisticados e criam categorias no contexto da socialdemocracia, defensores da distribuição de renda,  da  redução da pobreza e da desigualdade social na busca de uma sociedade mais justa. Justa para quem?
Paulo Francis era uma "biblioteca ambulante" que leu Guerra e Paz aos 15 anos. Eu também li, e daí? Muitos membros da elite intelectual se gabam de ter lido Ulisses na adolescência. Mas eu também li, muita gente boa leu;  e daí? Qual a contribuição desses indivíduos notáveis para a humanidade? Sequer explicaram ou convenceram sobre a importância de ler essas obras/autores em tão tenra idade. Será que entenderam o que leram?
De repente, a mesma revista coloca quase  lado a lado  Paulo Francis e Luiz Felipe Pondé: um jornalista e um filósofo, ambos inteligentíssimos, antipáticos e arrogantes. Sensação incômoda, inevitavelmente desconfortável provocada pela leitura da revista,  depois da abertura com a nauseante senhora idosa rica, Lya Luft, envolvida por uma nostalgia que causa repulsa, extravasando sua indignação com o bombardeio midiático pouco salutar no Brasil.  À boa senhora basta não ler os jornais matutinos e evitar os noticiários da TV para higienizar suas manhãs. Sorte a dela.
Fechei a revista com uma certeza: para higienizar minha entrada na terceira idade será vital deixar de ler Revista Veja. Quase a mesma conclusão a que chegou J. R. Guzzo sobre as desventuras de brasileiros em viagem aos Estados Unidos. "É só não ir". 

domingo, 13 de novembro de 2011

Frustrações?

São poucas, talvez irrelevantes. Algumas sensações ruins por coisas que ficaram para trás, porém, não num tempo esquecido.  Ei-las:


  • Liberdade incondicional, inclusive para dizer "não" sem sentir medo;
  • Falar inglês fluentemente;
  • Retomar meu curso de Fotografia;
  • Organizar o "tempo, tempo, tempo, tempo..." para a prática de uma atividade física;
  • Amar a vida o suficiente para ficar mais tempo acordada ou,  dormir quando corpo e mente não suportarem mais a sobrecarga;
  • Conseguir não sufocar meu filho;
  • Caminhar uma noite inteira, horas à fio, às margens do Rio Sena em Paris;
  • Como diria meu grande e saudoso amigo "Sancho Machado": Ter competência para estabelecer-me num rancho, num casebre numa cidadezinha qualquer, com "mato verde, meus discos, meus livros....";
  • Ter as pernas da Malu Mader e;
  • E... ter liberdade incondicional, inclusive para dizer "não" sem sentir medo.


Hoje, 13/11/2011, 20:23h

quarta-feira, 12 de outubro de 2011

"Eu não sou pessimista, sou triste." (Fernando Pessoa)

A IMENSIDÃO LENTA DAS MINHAS HORAS


A vida na cidade grande me oprime
Não consigo encontrar o silêncio para ouvir o próprio pensamento.
O pulsar da vida em a vibração de um crime
Um grito espantoso e desesperadamente intenso
Visceral e cortante irrompe a garganta do gigante
Insano nascido doido de uma estúpida espera.
O clamor da solidão sem vento e brisa
Solidão quente de asfalto
Dentre os vãos dos dedos, caem quimeras
De tempo.
Horas, minutos, segundos...

Tudo escorre ou irrompe das feridas.
A eterna intensidade ou loucura.
Não consigo sorver o prazer do café
E ao pão ou fruto falta  o paladar, o gosto.
O fôlego some na saliva seca e confusa dos
Excessos.
Eu não sinto, não me sinto e nem pressinto.
Absinto e língua morta no cérebro cego.
Nada.
A intensidade é a apenas da pressa.
O sol nasce engolindo a lua e se põe rompendo-a.
Eu não celebro.
O sentimento não brota  ao observar a planta,
é o sentimento dos avessos, cruzes sem credos.
Uivos ressoam  por entre as ervas ribeiras
e  nascem como enredos escritos com sangue
e medo.
E o relógio congela o rio nos outdoors
Os relógios congelam as vidas nas telas
Os relógios congelam as vidas em  velas
Os relógios transformam s vidas em rios de cera
derretida.
O olhar não se perde na plenitude do dia,
ele se consome na insuficiência da guerra das horas.
Fragilidades, artificialidades, futilidades.
Não posso afagar um cão ou observar o beija-flor.
Eu tenho pressa.
Comentar Estrada Nova?
O que é, nesse frenesi, uma canção de amor?
Uivos, apitos, sirenes, buzinas?
Seriam ambulâncias, viaturas policiais,
carros desgovernados?
Estou tentando pensar o vazio do peito e das esquinas,
sentir sozinha a solidão da menopausa
no retorno irônico e dorido dos mênstruos do passado:
envelhecido, fugidio.
 Acabou? Apenas uma pausa? Um recado ao menos?
Não sei, a cidade não deixa saber.
Casas, comércio, luzes e  saneamento básico.
Cinema e prédios de apartamentos,
luxuosas casas de luzes vermelhas. Vermelhas?
Não. A cidade grande exibe milhões de cores
Milhões de shows, de espetáculos e  arco-íris.

Calor intenso, suor e lusco-fusco sobre as telhas.
E o relógio marca as horas em milhares de torres,
não importa quem morre.
Não se somam as dores, observam-se as cores
Mas sem enxergá-las.
Por que então, tanto e tanto se corre?
Daqui a pouco uma vala no asfalto será aberta.
Boca escancarada, ávida de uma vida apática,
de um tempo vão.
Um caminho inóspito, frio de medo, um cão morto.
Todos os pavores no retrato desbotado, os pés de chumbo.
Grudados aguardam: sinal vermelho, amarelo, verde.
Insistem e rumam para o deserto árido.
O fardo de ter vivido a eternidade de um tempo de sonhos
cimentados, amalgamados, concretados por um tempo

que passou como um relâmpago na cidade grande. 

domingo, 11 de setembro de 2011

RELÓGIO URBANO


É  incrível como a hora da cidade grande, o relógio urbano se coloca,  gratuitamente, como um inimigo imbatível. São 18:00hs.  Movi a perna imóvel. Comprei o aparelho de telefone. Quebrou a linha. Não concluí o artigo. Inúmeros textos estão perdidos, espalhados pelos cantos, zoando em minha cabeça.  Vísceras e espírito. Agora a voz não canta mais: fala, media, cansa. Estarão ouvindo? O que esperam de mim? Jovens que constroem carreiras,  caminhos,  projetos,  sonhos e delírios num mundo  cão.  Por que a necessidade de manter todos os aparelhos ligados? Quantos e-mails não li hoje? Nenhum era importante.  Nada é importante quando se é velho. Cabelos encanecidos, costas arqueadas.  A TV está embaralhada e o dia acabou. O tarja preta? Ajuda esquecer daqui a pouco mais vinte e quatro horas que se foram.

Cores incolores e dores


Ideia fugidia
Fugaz
Palavras frias
Perdi ainda há pouco
Uma poesia.
A memória, seca
Já não retém os nomes
Acordes, rimas e métricas
Fugas, palavra fugaz.
Cores acinzentadas
Palavras luzidias
De opaca luz
Brilho cinza.
Cinza é uma cor?
Seria cinza a minha dor?
Raios quentes e penetrantes
Limpando a memória cinza.
Cinzas jogadas ao vento
e a memória limpa
dos versos e prosas,
dos anos.
Sabia a borboleta
do sol que atravessou
da janela as frestas
para aquecer a velhice sombria?
A vida e as cartas amarelas.
Ou seriam cinza? Memória?
Os poemas perdidos, pálidos e cinzas
São des-engraçados
Da terra infértil teriam brotado
Vazios e sem história.
Seguirão tremulando ao léu
Cortando o vento como as aves.
Registrando um tempo amassado. 

Inacabado


A estância nos brejos misteriosos
e a lama escura, a água da bilha partida
a escorrer na suavidade dura
do pescoço até o colo.
Lampejos no céu rasgado e o
Azul do pássaro pingando
No vôo aterrorizado.
Pássaro azul de plumagem negra
Abriu caminho e dor, por entre
Seixos dobrados e secos
Num vale não de morte, mas morto.
Bebeu as últimas gotas
Sedento, avaro e bêbado
Onde fora pântano plantou espinhos.
Cerrou as pálpebras e não viu
Não sentiu
O último pulsar, o último pedido
O mel.
A boca sem sede, os dentes quebrados.
A agonia se dissipou no grito calado.
As elevações silenciaram-se no plano.
Margem assoreada, peito mudo,
a última dor.
Talvez quisesse entrar no escuro
e se lambuzar de mel.
Deleitar-se.
Romper-se sem ser,
Sem dor e na dor.
Pássaro? Sapo? Príncipe?
Voou rasante para o infinito escuro.
A selva negra se recolheu sombria.
À frente, implacável, o muro
A morte, o pio, as regras.
Apenas as lembranças.