Às vezes parece facílimo definir
uma sensação de frustração. Ledo engano. A vida pode se arrastar como uma sucessão infinda de insatisfações e decisões
erradas. Erradas? Quais seriam as certas?
Alimentar sonhos e esperanças é
uma característica humana e óbvia. Quando esse mecanismo falha, instalam-se as patologias: neuroses,
depressão, pânico, fobias e uma interminável lista de denominações criadas
pelos psicologistas da modernidade urbana.
Na verdade alimentamos nosso
ciclo de vida com naturalidade e quando questionamos muito, quando queremos
muito, quando avançamos muito, para além daquilo que a natureza coloca,
sentimos dor; nosso organismo dispara os hormônios necessários à preservação da
espécie: mecanismos de defesa?
Enfim, tudo está no seu lugar.
Nossos hormônios em ebulição ditam o curso natural da reprodução, mas
insistimos em criar em torno disso uma aura cheia de mistérios, especial,
luminosa. E foi o processo civilizatório que fez isso. Antes de amarmos nos apaixonamos, buscamos a
satisfação das nossas necessidades básicas, o desejo é saciado ante uma
criteriosa escolha. Então amamos. Aos pouquinhos o desejo vai esvanecendo,
a paixão vai sucumbindo sufocada pelas urgências, pelos compromissos,
pelo trânsito e os atrasos; as palavras
ditas vão ganhando tons ásperos, as portas vão se fechando por dentro e se
abrindo para fora.
Expostas nossas fragilidades
reduzem-se as delicadezas, tornamo-nos rudes e começamos a sofrer. É quando colocamos
no outro a culpa pelo que não deu certo, inclusive pelo tempo precioso que
perdemos na relação equivocada. No entanto, os desejos, as paixões e os sonhos
são imperiosos e se renovam na alma,
indiferentes ao corpo que perece, à carcaça frágil que desmorona ante o
tempo implacável.
Foi assistindo ao filme “O
despertar de uma paixão” que me dei conta do quanto projetamos no outro as
nossas expectativas, nossos anseios de felicidade plena. Se o outro não atende
nossas expectativas amaldiçoamos o mundo e os sapos que não se transformam em
príncipes, lamentamos o desempenho dos príncipes medíocres e questionamos,
enfim, nossa capacidade de merecer o príncipe, as rosas, os encantamentos e o
belo.
Difícil compreender a finitude
dos sentimentos, a subjetividade, o jeito de ser de cada príncipe e de cada
sapo; difícil colocar-se como gata borralheira, como princesa ou até mesmo como
mortal comum quando o que se queria mesmo era eternizar a chama, o amor
ardente, as palavras bonitas e os gestos delicados. Na verdade desejamos esse
príncipe, o nosso príncipe, aquele que escolhemos e pelo qual sofremos ante a
constatação de que ele não cabe na nossa forma, não preenche nossos requisitos,
seu cavalo não é branco e ele não nos envia rosas. Choramos, lamentamos a indiferença
do nosso príncipe aos nossos sonhos e projetos.
Se considerarmos os agentes
externos, as intercorrências, as adversidades e convenções tudo fica ainda
pior. Chorei cântaros ao assistir “O diário de uma paixão (O caderno de Noah)”.
De repente nunca sei quando foi que perdi meu príncipe, se ele foi sempre um
sapo ou, se em algum momento cheguei a ser sua princesa.
Quando se assiste “A casa do
lago” pode-se incorporar Kate sem nenhuma reflexão sobre crenças e valores.
Quando o fazemos mergulhamos num lago de emoções e amores tão doces e
envolventes que fariam inveja até mesmo às borralheiras dos contos de fadas. Seriam o tédio ou as decepções a nos provocar
tantas melancolias?
Mas, a profunda solidão que
abateu Allie não seria um sentimento
para mulheres destemidas e exigidas. Aqui nós mulheres incorporamos Noah, a quem a vida negou a realização
do grande e encantado amor; encantado porque não tornado real, não concretizado
sob o jugo doloroso das regras sociais e dos valores morais.
Quantas formas de amor seriam
possíveis durante uma única vida e quantos deles seriam eternos? Todos? A
psicanálise de Freud encontraria nas pulsões e nas neuroses latentes uma voz ou
um grito que amenizasse nossas dores ante tantas perdas? Por quanto tempo seria
eterno o infinito amor de Noah e Allie
na concepção de Vinícius de Morais?
A arte proporciona aos humanos
alguns instantes de êxtase. Choramos diante do espetáculo; os finais felizes
nos comovem, esperamos e torcemos por nossos heróis, enquanto minguamos ou contentamo-nos com as migalhas que
recebemos sem inventariarmos as migalhas que oferecemos, a sede que provocamos
naqueles que somam suas vidas às nossas e vão se subtraindo ante nosso descaso,
ante nossas minguadas e tristes oferendas de afeto. Na verdade bebem do fel da nossa amargura ou peregrinam sob nossos anseios e insatisfações
sem trégua.
Quando o fotógrafo da National Geographic, Robert (Clint Eastwood), chega para fotografar as famosas pontes de Madison, do Estado de Iowa (EUA), encontra uma mulher
“bem-casada” absorta por uma rotina doméstica devastadora, daquelas que
requerem suportes espirituais para serem atravessadas, tão grande e asfixiante
a sensação de inutilidade e frustrações.
Uma vida adequada conforme os padrões sociais do capitalismo moderno, uma
situação confortável. Confortável? Haveria alguém capaz de engalfinhar-se por
dentro daquela alma feminina e arrancar de lá todos os anseios, desejos e
recalques? Francesca sequer se dava
conta dos vulcões adormecidos dentro de seu próprio corpo, até que Robert – o
príncipe de algumas horas – os desperta e devolve-lhe os sonhos entorpecidos,
goles de ilusão que amargarão como fel dentro de muito pouco tempo.
A espera desesperada pelo beijo,
o desejo que faz fremir todo o corpo, o estímulo para a escolha de uma lingerie nova, o turbilhão de sensações
que irrompem dentro do corpo e assaltam a alma até então em zelosa vigília; a
porta não estava aberta. Por que nossos príncipes nos deixam vazias? Por que
ficamos à mercê dos encantos dos fotógrafos charmosos o morrendo em conta-gotas
enquanto nos lêem nossas patéticas anotações, como se elas pudessem nos
restituir a vida que não nos permitiram viver?
Uma vida inteira se constrói
diante de espelhos cruzados, imagens distorcidas, e ao final o espírito
alquebrado, relutante sob os escombros
de um corpo aviltado, imolado pelo tempo.
Escreve-se uma “Carta para Julieta” e a arte se projeta reluzente, nos
arrebata para o centro dos nossos mais desvairados sonhos projetados na
peregrinação de Claire Smith por
Verona na Itália, em busca do verdadeiro amor. Todos os contos de fadas, todos
os caprichos da arte conspiraram para o final feliz daquela história real. Mas, desligada a tela da TV, fechados os
livros de romance, tiramos o carro dos estacionamentos dos cinemas e fazemos
nossos enfrentamentos, abrimos nossos baús e, às vezes, choramos ou sorrimos
diante da nossa capacidade de sublimar todos os sentimentos mal resolvidos.
E a dor maior é que tentamos,
insistimos, gostaríamos que a química ainda funcionasse, que todos os beijos
fossem como o primeiro, que o desejo do corpo de se achegar ao outro fosse,
ainda hoje, aquele do primeiro momento de aproximação física. No entanto, tudo
vai murchando como a chama de uma vela que se exaure devagar e silenciosamente,
como uma rosa cujo perfume vai se tornando enjoativo à medida que as pétalas
caem, uma a uma sobre o chão desorganizado do jardim fúnebre, esquecido de cuidados.
Por que acontece assim a despeito
da nossa vontade, mesmo que tenhamos jurado amor eterno? Por que não se
perpetuam nossos melhores sentimentos? Por que nosso amado se afasta, ou, por
que nos afastamos quando tudo o que queríamos era ficar? Por que nos
emocionamos diante da tela do cinema com a leitura do Caderno de Noah e
explodimo-nos furiosas, expostas ao colapso da leitura real dos nossos
contratos?
O tempo. Ei-lo; tirano,
ameaçador e impiedoso. Mata a libido, desorganiza os hormônios e nos torna
inseguras, exageradamente sensíveis, mas não nos leva os sonhos, não nos retira
as esperanças na mesma proporção. “Tempo,
tempo, tempo”; tão linear e pleno na arte e implacável na pele, nas
vísceras, jamais possibilitará uma revanche, um duelo em que possa vencer a
harmonia e a plenitude entre corpo e a
alma.
Considerando tempos e amores e
filmes, nós, mortais comuns mantemo-nos condenadas a amargar nossas
frustrações, continuar a busca incessante do sossego do espírito, ignorantes que somos da “sublimação dos amores”, das “metáforas do amor”, ”amores de
transferência” e da “pulsão de morte”.
A cada vez que o sol se põe, alegres ou tristes buscamos um príncipe, um
afago, uma palavra de carinho que dispensa as teorias psicanalíticas, uma vez
que nem Freud, Lacan ou Kant, conseguiriam mesmo transformar em príncipes
nossos sapos e nenhuma fada nos arrancaria da fatalidade de borralheiras para o
mundo encantado das princesas.